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Luiz Cláudio Latgé

Jornalista, documentarista, cronista, atuou na TV Globo por 30 anos, como repórter, editor, diretor. Consultor em estratégia de comunicação, mora em Niterói e costuma ser visto no Mercado de São Pedro.
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Ponte, uma via de mão dupla

Charge Ziraldo Ponte Rio-Niterói
A charge do Ziraldo foi publicada no Jornal do Brasil, na cobertura da inauguração da Ponte Rio-Niterói

A Ponte Rio-Niterói é uma via de mão dupla, mas o que entra por um lado é diferente do que aparece do outro. Moradores do Rio e de Niterói vivem de forma diferente a ligação entre as duas cidades, uma obra que mudou a vida do estado, e de certa forma do Brasil, a começar pela fusão, só ocorrida em 75, depois da inauguração, unindo a Guanabara ao antigo estado do Rio.

No dia da inauguração da Ponte, o cartunista Ziraldo capturou bem esta diferença, na charge que reproduzimos em homenagem ao inspirado cronista do Brasil, cedida ao A Seguir por seus familiares.

O morador de Niterói, de certa forma, é o cliente Premium da Ponte. Atravessa de um lado para outro todo santo dia. É preciso fazer justiça, porém, não é só ele, tem o morador de São Gonçalo, de Itaboraí, de Maricá que se abrigam deste lado da baía e trabalham no Rio. Trabalham e vão a jogos de futebol, shoppings, cinemas, restaurantes, desfiles de carnaval, às vezes até à praia e à Barra da Tijuca, porque a turma do lado de cá adora a Barra da Tijuca.

A balsa que atravessava os carros entre Rio e Niterói, nos anos 1970. Reprodução

Nem sempre foi assim, porque nos tempos das barcas, o morador de Niterói conhecia mesmo era a Praça XV e o Centro, para ir à Mesbla. Às vezes encarava um ônibus para a Zonal Sul, sacudindo pelo Aterro do Flamengo. Não era fácil a vida na fila da barca, Flecha do Rio, Flecha de Niterói, e todo mundo amontoado, sem ar refrigerado. A fila da balsa de carros era ainda pior, a  Cantareira ou a Valda. Horas de espera para encarar a travessia respirando óleo diesel.

O pior de tudo era a troça. “Só mesmo vendo como é que dói, trabalhar em Madureira, viajar na Cantareira e morar em Niterói.”

A Ponte melhorou muito a vida do morador de Niterói, que passou a fazer do carro um moto-home para levar comida, raquete, barraca de praia e uma muda de roupa no porta-malas.  Mas a cidade, despojada da condição de capital, com a fusão, ficou sentida como a perda dos privilégios. Perdeu Palácio, Assembleia, empregos públicos e uns tantos restaurantes e mais o pessoal que vinha de Cabo Frio, Friburgo, Campos e Miracema tratar de negócios na Corte. Ou mandavam seus filhos para a escola, por aqui: Liceu, Abel, Salesianos, Centro Educacional.

O morador do Rio não tinha tanto interesse do lado de cá da baía. Tinha uma certa superioridade, intrigas do tempo de Império quando quem vivia fora do Rio era Papa-goiaba. Até hoje é assim. Passam pela Ponte à caminho da Região dos Lagos. Tenho um amigo que reclama quando fica preso engarrafamento em direção à Niterói. Entende que tenha engarrafamento no Rio. Mas acha sem sentido ficar engarrafado em Niterói.

Niteroiense sabe o que é ficar engarrafado. A Ponte é o termômetro do humor da cidade. Um caminhão enguiçado pode atrapalhar a vida de muita gente. E hoje praticamente não há alternativa, com a deterioração do serviço das barcas, que já nenhuma concessionária se interessa por assumir. A Ponte é a única saída. Uma sina desde o 999, a primeira ligação com o Rio, no Castelo, era o “quase mil”. Depois surgiram o 998 para o Fundão e o Aeroporto do Galeão, e o 996, uma espécie de volta ao Rio em 80 minutos.

Mas isso, passou. Não sem traumas, mas passou.  A cidade está mais confortável com o fato de não ter crescido tanto, apesar do esforço da indústria imobiliária: os aluguéis são mais em conta, o Índice de Desenvolvimento Humano é o melhor do estado e a segurança é maior do que no Rio.

Tanto tempo depois Niterói recobrou sua autoestima. O ator Paulo Gustavo ajudou na tarefa. A cidade hoje exibe o MAC, as praias oceânicas cada vez mais concorridas, a fortaleza de Santa Cruz, o Mercado de Peixe de São Pedro, eventos esportivos e shows. E tem Seu Antônio, a Gruta, o Mário, Casanova, o Noi… Tudo isso e mais a ponte para levar para os blocos e o carnaval do Rio. A Viradouro passa inteira pela Ponte.

Ficamos assim, vizinhos. Cada um com seus problemas, do seu lado da Ponte, disputando quem tem a melhor vista.

Veja a cobertura completa em: https://aseguirniteroi.com.br/especial-50-anos-ponte-rio-niteroi/

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