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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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Jornalismo verdade na Semana Santa

peixes-mortos

A Semana Santa cheira a peixe. Cheiro bom, gosto muito dos pratos feitos com pescados. Mas teve um tempo na minha vida de repórter que sofri bastante com o cheiro de peixes em putrefação. Peixes aos milhares que boiavam nas lagoas de Piratininga e Itaipu umas três ou quatro vezes por ano.

Já naquela época, a primeira metade dos anos 80 do século passado, o sistema lagunar de Niterói era um horror. A poluição atroz causava periódicas mortandades dos peixes que habitavam as duas lagoas.

Como repórter de “O Fluminense”, cobri várias vezes esse desastre ecológico. A lagoa de Piratininga era a mais afetada. Da ponte do Tibau avistava-se aquele tapete de peixes que escondiam o espelho d’água. Você não conseguia enxergar a água. Só os peixes agonizantes e mortos. Uma tristeza.

O cheiro espalhava-se pela região de forma avassaladora. A quilômetros dali já se podia sentir o odor nauseabundo que exalava daquela lagoa tão bonita.

Os fotógrafos adoravam aquelas pautas porque geralmente a edição aproveitava na capa o material que traziam, por pior que fosse.

Eu detestava. Assim como detestava fazer matéria sobre a poluição do mar em Jurujuba. Até os anos 90 havia três fábricas de sardinha em lata no bairro. As indústrias despejavam diretamente no mar os rejeitos da produção. Um absurdo que felizmente foi erradicado. As fábricas fecharam. As praias de Jurujuba não são limpas, mas comparadas ao que eram podem ser consideradas caribenhas. E o cheiro horroroso das fábricas deixou de atormentar moradores e visitantes.

Não foi em “O Fluminense”, mas na “Folha de S. Paulo”, onde trabalhei muitos anos, que vivi um episódio explícito de jornalismo verdade.

Na lagoa Rodrigo de Freitas, um dos cartões postais do Rio, também havia mortandades de peixes provocadas por esgoto e outras fontes de poluição. A paisagem tão bonita transformava-se. O cheiro era pavoroso. Como nas lagoas de Niterói, a Rodrigo de Freitas, hoje, não costuma mais registrar casos do tipo. Mas de vez em quando ainda acontece.

Lembro de uma brutal mortandade ocorrida na década de 90. A Rodrigo de Freitas amanheceu coberta de peixes mortos. Todos os jornais, rádios e TVs correram para lá. Nós, da Sucursal do Rio da “Folha”, demoramos a ir ao local, não lembro mais a razão. Talvez não tivéssemos um fotógrafo disponível, sei lá.

O fato é que só fui de tarde para a lagoa, já acompanhado de um fotógrafo. Chegando lá, a surpresa: a Rodrigo de Freitas estava limpa. A Comlurb havia retirado toneladas de peixes mortos.

Portanto, não tínhamos a imagem daquela tragédia ambiental. Experiente, o fotógrafo orientou o motorista: “Vamos dar um pulinho em Botafogo”.

“Pra fazer o quê?”, perguntei.

O cara não respondeu. Em Botafogo, em uma rua transversal à Voluntários da Pátria, ele mandou o motorista estacionar e saiu do carro. Voltou uns dez minutos depois com uma sacola abarrotada de peixes miúdos, como sardinhas e cocorocas.

“Agora sim vamos fazer a foto da primeira página!”, exultou.

Sem o menor constrangimento, o fotógrafo mandou o motorista voltar para a lagoa. Lá, andou até um trecho mais deserto da orla e despejou uns dez quilos de peixe junto à margem. Bateu umas 300 fotos. Uma delas foi para a capa. Era uma boa foto, por sinal, o profissional era de primeiro time. Não vou contar o nome dele porque está vivo e jamais assumiria ter sido o autor de uma cascata braba como aquela.

E o mais incrível: a foto das cocorocas e manjubinhas da peixaria de Botafogo boiando na lagoa Rodrigo de Freitas chegou a ganhar um prêmio internacional de jornalismo, na categoria desastre ambiental.

 

 

 

 

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