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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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Parem de regar a ‘Comadre dread’ do Gragoatá!

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A árvore-mictório

No meio do caminho havia, e ainda há, uma bela e frondosa figueira. Diz a Wikipédia que o gênero Ficus é um dos maiores do chamado reino vegetal, com quase 800 espécies mundo afora. O exemplar do Gragoatá, próximo ao forte, é único: foi “adotado” e agora integra a família das “urinácias”, tal a quantidade de bexigas que ali foram e são esvaziadas todos os dias.

Seriam necessárias, ao menos, doze pessoas para abraçar a figueira do Gragoatá. Mas talvez elas não sairiam ilesas: pisariam em fezes humanas, lixos humanos, despachos humanos. Basta sentar num dos bancos ao redor da figueira e… pe-ra-lá! Não dá, estão quebrados ou sujos. Então, o jeito é parar alguns minutos no entorno e observar que o mictório-vegetal não para de receber clientes. Que pena!

Antonio Augusto Moreira Machado, o Guta, é professor de história e músico. E gente boa. Mora no Ingá e caminha na área todos os dias, bem cedo. Trecho que ele chama de “Montanhas MAC”. Tem uma relação espiritual com aquela figueira, que fez sombra para piqueniques com os filhos que jogavam bola no falecido campo de futebol do Praiano ali ao lado.

– As árvores têm sentimento, têm energia… Eu converso com a figueira, eu peço desculpas a ela pela lixarada. Não é doideira, é sintonia – diz Guta, que admira a frondosa árvore há décadas e lamenta que muitos nem percebam a sua beleza.

As raízes da figueira sobem e descem do tronco, vêm de todos os lados, se entrelaçam, se espalham feito cobra pelo chão. Botanicamente pode nem ser essa a explicação correta sobre as partes daquele organismo vivíssimo. Mas, sim, aquelas ramificações parecem os cabelos de Bob Marley. Por isso ganhou do professor o apelido de “Comadre dread”. É muita intimidade.

Guta pertence ao grupo musical SAL – Som, arte e liberdade. E compôs sobre (e para) a figueira a música “Criou asa”. Em breve, varrerá de próprios braços o entorno da árvore, sentará no chão, afinará as cordas do violão e soltará seu som ao vento que balança as folhas. Que seus acordes (talvez lamentos, talvez apelos) sejam ouvidos muito além da planta-banheiro.

Enquanto ouço a versão demo de “Criou asa”, sentado no meio-fio, presumo que duas ou três pessoas tenham invadido as entranhas da “Comadre dread” para despejar o líquido e o sólido da ignorância, incivilidade e falta de educação.

Não matem, nem deixem morrer a figueira do Gragoatá. Ela não é uma moita qualquer.

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