11 de dezembro

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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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Os ‘surfistas assassinos’

av ary parreira
A Avenida Ary Parreiras, onde o crime ocorreu

Aos 21 anos, repórter de “O Fluminense”, vivi uma experiência policial digna dos filmes de sessão da tarde, que tanto apreciava na então recente meninice. Acompanhei uma equipe de policiais civis na captura de dois irmãos que na véspera mataram um senhor a pancadas em plena Icaraí, à luz do dia.

Era o primeiro semestre de 1984. Repórter mais novo, a abertura dos trabalhos era comigo. Foi entrar na Redação e ouvir do chefe Gilberto Fontes, que chegava ainda mais cedo: “Serginho, a polícia sabe onde estão os matadores do coroa. Vamos acompanhar!”.

Sinceramente, eu não sabia nem quem eram os matadores, muito menos de quem se tratava o tal coroa. Mas não confessei minha ignorância. Tratei de ler às pressas a notícia, que era manchete do próprio jornal em que trabalhava.

Em suma: na véspera, fim de tarde, uma discussão de trânsito na Avenida Ary Parreiras acabara em tragédia. Os dois ocupantes de um bugre espancaram até a morte o senhor que conduzia o carro que os abalroara pouco antes.

Nas rádios, os programas populares destacavam o crime desde cedo. Eram os “surfistas assassinos”. Estavam em um bugre e tinham os cabelos louros. A lógica bizarra era essa. Os supostos surfistas tinham fugido, quem sabe já tivessem deixado Niterói, diziam os radialistas quase aos gritos.

Pouco disso se confirmou. Não só eles não tinham fugido como estavam na própria casa. A descoberta foi de policiais da 77ª Delegacia de Polícia, que funcionava, então, na Rua Dr. Paulo Cesar, perto do Instituto Abel. Os detetives encontraram o bugre estacionado na Praia de Icaraí. Apuraram que o carro era de dois irmãos que moravam em um prédio em frente.

A equipe da DP partiu para o local. Eu e o fotógrafo Paulo Faber fomos atrás. Quando entramos com os policiais no edifício, um deles avisou: “São bandidos sanguinários, assassinos frios, vai ter muito tiro. Eles estão dispostos a matar ou morrer. Não nos responsabilizamos se algum de vocês for baleado!”.

Não dei a menor importância ao alerta e entrei no edifício. No andar onde moravam os irmãos, os policiais se espalharam pelo corredor, com as armas apontadas para a porta. Eu fiquei num vão da escada. O ângulo permitia que eu visse tudo. Faber, não lembro onde ficou. Imagino que bem longe, porque estava meio assustado.

Um dos policiais tocou a campainha. Depois de algum tempo, a porta abriu. Foi quando os tiras pularam em cima do cara, um rapaz louro, de pijama, que devia estar dormindo.

“O que é isso, pelo amor de Deus?”, perguntou o atônito e imobilizado “surfista assassino”.

Foi quando apareceu o outro acusado, também louro, também de pijama, também recém-desperto. Imediatamente algemado pelos policiais.

Os jovens irmãos demonstravam não saber o que estava acontecendo. Um dos polícias falou: “Vocês mataram um homem a socos e pontapés no canal ontem!”.

Eles logo entenderam o que se passava.

“O cara morreu?”, perguntou um deles ao policial.

“Morreu”, respondeu o detetive.

Contaram, então, que tinham brigado mesmo com um homem na véspera, por causa de uma batida de carro sem importância, mas que não sabiam da morte. Falaram que o homem os tinha atacado e que só fizeram se defender.

A versão não convenceu nem os policiais nem a Justiça. Pelo que me lembro, foram condenados por homicídio e cumpriram pena.

O que me fez jamais esquecer esta história é que dois sujeitos sem antecedentes criminais, que tinham ocupação fixa, envolveram-se inesperadamente em uma briga. Tornaram-se assassinos, passaram anos na cadeia.

Muito tempo depois, reconheci um deles, bem envelhecido, em uma rua de Icaraí. Quem o observasse teria dificuldades em acreditar que ele fora rotulado de “surfista assassino” anos antes. Até porque, pelo que ficou apurado à época, os irmãos jamais praticaram o esporte.

 

 

 

 

 

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