4 de dezembro

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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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‘Os mortos falam, garoto!’

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A mulher e o cadáver do tio no banco, em Bangu. Imagem reprodução da TV

Outro dia flagraram uma mulher levando o tio morto a um banco na ânsia de sair dali com um dinheirinho. Diante de um pasmo gerente, ela papeava com o defunto, passava a mão na careca dele, segurava a mão direita para que o coitado assinasse um empréstimo. Imediatamente voltei 40 anos no tempo. Estava em São Gonçalo, em algum lugar perto da obra da Niterói-Manilha, ainda em construção. No chão, o que naqueles tempos politicamente incorretos chamávamos “presunto”. Ao lado, ajoelhado, com a boca quase colada ao ouvido do finado, o grande Erly Lopes.
Assim como eu, Erly era repórter de “O Fluminense”. Ele na Sucursal de São Gonçalo. Eu, na sede em Niterói. Não lembro mais porque havia dois na cobertura do chamado “encontro de cadáver”. Deve ter sido por acaso, desorganização, sei lá.
Ao saltar do Fusca dirigido pelo “piloto” Argemiro, o popular Mosquito, deparei-me com a cena narrada no primeiro parágrafo. Erly entrevistava (ou pelo menos tentava) o sujeito cheio de tiros estirado no terreno baldio.
O estupefato fotógrafo (talvez Salomão Sant’Anna ou Jurandir, o Juruna de Maricá, não me recordo) registrou a cena. A foto correu a Redação. Erly parecia que conversava com o vitimado desconhecido.
Enquanto balbuciava no ouvido esquerdo do homem, ele anotava freneticamente no bloquinho. Falava e ficava quieto, como à espera da resposta. A seguir, voltava a cochichar alguma coisa e a escrever, com um sorriso de canto de boca, parecendo satisfeito com o que ouvira do falecido.
Ao final do colóquio, aproximei-me de Erly. Como que em transe, o veterano repórter dirigiu-se ao foca.
“Os mortos falam, garoto, os mortos falam!”
Concordei com o amigo, não tinha outra saída. Muitos “presuntos” passaram pela minha vida desde então. Jamais, em tempo algum, consegui extrair deles uma informação sequer.
Um tempo depois, Erly veio trabalhar na sede. Era um cara espetacular, sempre ajudando a todos. Um místico, que acreditava no além, na força dos astros e nas revelações daqueles que partiram cedo, de modo violento, para o “país do pé junto” (expressão que ele gostava de repetir).

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