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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
Publicado

Os barrancos da cidade

deslizamento de encostas
Manchete do jornal O Fluminense sobre um dos muitos deslizamentos ocorridos na cidade

As catastróficas previsões sobre o comportamento do meio ambiente nas próximas décadas fez-me voltar quase 40 anos no tempo. Não cheguei a ir longe. Aliás, na verdade, não sai do lugar. Àquela época, eu estava em Niterói, era repórter do jornal “O Fluminense” e cobri uma série de deslizamentos que ocorreram na cidade quase simultaneamente.

Em janeiro de 1984, a encosta da Boa Viagem desabou sobre a pista. Toneladas de pedregulhos, vegetação e terra passaram por cima do asfalto e caíram sobre a areia da praia e no mar. Não havia ainda ali o Museu de Arte Contemporânea (MAC), muito menos os espigões que hoje enfeiam paisagem tão bonita.

Fui enviado à Boa Viagem pelo jornalista Gilberto Fontes, chefe de reportagem do diário niteroiense. A situação era crítica, já que a encosta continuava a escorrer morro abaixo. E nem estava chovendo. Quando chovesse, previu um delegado da 77ª DP enviado pela Polícia Civil , o morro cairia inteiro.

“Vai rolar tudo, vai rolar tudo, sai da frente”, gritava o desesperado policial, cujo nome não me recordo.

A prefeitura limitou-se a tirar o entulho da pista. Em novembro do ano seguinte, o local continuava sem obras, como registrado em reportagem publicada no dia 17, um domingo. O morro não desabou todo, como previra o delegado, mas durante muito tempo deslizamentos aconteceram naquele barranco.

Entrevistado, o então Secretário municipal de Obras, Almir Antunes, defendia a recomposição da encosta natural, por meio de um corte no talude. Segundo ele, a prefeitura não tinha dinheiro para construir um muro de contenção.
À época, o morro do Estado também ruiu sobre a rua São Sebastião, que liga o Ingá ao Centro. A via ficou interditada por mais de ano. O trânsito, que já era ruim naquele tempo, piorou demais, pois carros, ônibus e caminhões tinham que passar por São Domingos para alcançar a região central da cidade.

Lembro que o morro desceu de madrugada. Cheguei lá bem cedo. Antes até do já citado Almir Antunes. Este, ao saltar do carro, avaliar o estrago e coçar a cabeça, dirigiu-se ao assessor que o acompanhava: “Waldenir tá fudido”.
A fala do Secretário me chocou. Jamais achei que no Secretariado do Prefeito Waldenir de Bragança houvesse quem falasse palavrões. Eram homens sérios, conservadores, muito religiosos, quase todos sempre engravatados. O próprio Antunes era assim. Mas o desabafo dele fazia sentido. Tanto que na eleição seguinte o vice-prefeito Adilson Lopes, candidato da situação, fracassou na disputa pela prefeitura.

Na reportagem, parceria com o repórter fotográfico Salomão Santana, relacionei problemas muito parecidos que aconteciam no Pé Pequeno, em Icaraí, no Barreto, no Bairro Chic e  noBuraco do Juca. Niterói estava literalmente desabando. E não havia nem temporais como os que estão sendo antevistos pelos atuais especialistas em mudanças climáticas.

Há 12 anos Niterói viveu o drama do morro do Bumba, perto do Viçoso Jardim. Na favela, ao menos cem pessoas morreram ou sumiram nos escombros lamacentos. Aquele aglomerado urbano formara-se indevidamente sobre um acúmulo de lixo. Sob a luz da geologia, nem sequer era um morro. Na borrasca terrível que se abatia sobre Niterói naqueles dias, o lixo meio que se liquefez e tudo veio abaixo. Participei da cobertura da tragédia, não mais em “O Fluminense”. Era repórter da “Folha de S. Paulo”.

Vamos ver o que nos espera no próximo verão.

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