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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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O terrível lobisomem da Ponta d’Areia

morro da penha
Bairro Ponta d’Areia, em Niterói, onde fica o Morro da Penha. Foto reprodução internet

Uma das mais bizarras histórias que vivi ne época em que era repórter de “O Fluminense” foi a do lobisomem da Ponta d’Areia. Isso mesmo. O jornal, principal diário niteroiense naquela primeira metade dos anos 80, gastou muito papel e tinha para contar as aparições da sinistra criatura no até então pacatíssimo bairro à beira-mar.
O autor da série sobre o híbrido ser – homem de dia, lobo sanguinário à noite – era o jornalista Paulo Freitas, falecido já há um par de anos.

O popular Paulo Cachorro não tinha limites na tentativa de atrair leitores. Lembro que em um dos primeiros Big Brothers ele apareceu na capa do jornal “Extra” como pai de um dos concorrentes.
O rapaz era de Campos dos Goytacazes, a mesma cidade de origem de Cachorro, no Norte Fluminense. Em um dos programas, o big brother, em bate-papo com os colegas confinados, lamentou não ter tido a oportunidade de conhecer o genitor, que deixara a família na rua da amargura e fugira para o Rio na companhia de uma amásia.
Pois uns dois, três dias depois, o “Extra” destacava na capa a foto de Paulo Freitas e a frase: “Eu sou o pai de fulano de tal do Big Brother Brasil”. O editor do “Extra” era o hoje comentarista Octavio Guedes, da GloboNews. Os dois conheceram-se em “O Fluminense”. Octávio iniciava na profissão. Paulo já era um veterano cascateiro.

Bem, voltando ao lobisomem. Não lembro a origem da ideia de escrever sobre uma hedionda criatura noturna que vinha matando cachorros, gatos e galinhas no morro da Penha. E que, apavoradas, as famílias não deixavam mais as crianças brincarem soltas pelos becos das favelas.
Mas não me resta dúvida que foi o próprio Paulo Cachorro o idealizador de tudo aquilo. Talvez inspirado em outro lobisomem do Morro da Penha. Só que em Santos, cidade no litoral de São Paulo. Lá existe um morro da Penha afamado pela lenda do lobisomem.
A cada edição “O Fluminense” trazia uma novidade: o cabrito estraçalhado em um matagal; a moça que chegara tarde do trabalho e foi perseguida por uma monstro peludo que media mais de 2 metros de altura e rosnava; o cachaceiro que morreu de susto ao deparar-se com a anomalia; o pânico das famílias que deixavam tudo para trás e abandonavam a favela em correria ladeira abaixo.
Na Redação, os telefonemas se sucediam. Malucos diziam ter visto a macabra criatura da noite. Outros asseguravam que o lobisomem era de dia um solitário almoxarife do porto de São Lourenço. Houve até quem sugerisse que o monstro amaldiçoado só desapareceria se o morro fosse benzido pelo azeite sagrado do gongá do Pai Zebedeu. Paulo Freitas foi ao mítico gongá e entrevistou o preto velho.
Taxativo, Pai Zebedeu disse que o lobisomem era um marido traído que matara a adúltera e seu amante em um ermo rincão perdido nas brenhas do Mato Grosso. E que não adiantaria nada banhá-lo na lavanda do dendê. Até porque quem chegaria perto do feroz misto de homem e lobo para aplicar-lhe o tal banho?
O macumbeiro explicou a Paulo Cachorro que o trabalho seria bem complicado: a fera só iria embora se levasse uma surra do fedorento chicote de cerdas curtidas em alcatrão destilado no unguento de resíduos moídos de ossos humanos. Mas a sova só daria resultado se Zebedeu fosse presenteado com seu prato preferido, o efó do caboclo, apimentada iguaria feita com bucho, camarão lixo e taioba, planta abundante no morro da Penha.
Ao que me lembro, a história parou por aí. A criatividade do repórter deve ter chegado ao fim. Ou talvez tenha vindo a ordem de cima para esquecer o assunto.
No morro da Penha, a tranquilidade voltou. Nunca mais o lobisomem apareceu.

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