Carnaval para mim sempre foi um período desesperador. Nunca gostei, realmente abomino. Minha estreia profissional em um desfile carnavalesco se deu em 1984, na Avenida Amaral Peixoto, ainda a mais famosa do Centro de Niterói. Era repórter de “O Fluminense”. Posso garantir aos que me leem: tudo deu errado.
Coube ao chefe de Reportagem, o grande Gilberto Fontes, montar o esquema de cobertura. Eu era o foca da equipe. Então foi dada a mim a tarefa de cobrir o segundo grupo das escolas de samba de Niterói. Imaginem a bagaceira que era.
O primeiro grupo, o de elite, era tarefa dos jornalistas mais experientes, como a musa Simone Botelho, a adorável ranzinza Deborah Bruno e Paulo Freitas, o Cachorro.
O grupo 2 era integrado por 12 escolas. Gilberto dividiu a cobertura: metade delas, eu faria; as outras seis, o veterano Múcio Bezerra, que deveria estar conduzindo a equipe encarregada das principais escolas. Logo vim a entender, da pior forma possível, a razão de ele não ter sido escalado para acompanhar a Viradouro, a Cubango, a Sossego e as coirmãs.
Pronta a escala, combinei com Múcio.
“Eu faço a primeira e você, a segunda. E assim por diante. De acordo?”
“Claro, garoto. Tranquilo, vamos arrebentar!”, respondeu.
O desfile do 2º Grupo de Niterói começaria às 19h de sábado. Uma hora antes estava eu a postos, acompanhado do fotógrafo Paulo Faber. E nada de o desfile começar. E nada de Múcio aparecer.
Às 22h, com atraso de três horas, a cancela subiu (sim, o Carnaval começava quando levantavam uma cancela mal ajambrada). A escola iniciou a evolução pelo asfalto esburacado da Amaral Peixoto.
Como a próxima agremiação era de responsabilidade do Múcio, fiquei tranquilo. Mas ele não apareceu e eu me mantive no posto. Ainda sem o parceiro de reportagem cobri a terceira e a quarta escolas. Naquele momento percebi que Múcio tinha dado um perdido no evento.
Mas enganei-me. Quando a cancela abriu pela quinta vez, à frente da paupérrima comissão de frente, o repórter Múcio Bezerra sambava de maneira desenfreada. Fui falar com ele. Demonstrou não me reconhecer. Aliás, no estado em que se apresentou não reconheceria nem a própria genitora, posso afiançar.
Assim, cobri sozinho as 12 escolas. Apresentações intermináveis, fantasias e alegorias modestíssimas, mas sambistas muito animados.
Decidi que um deles seria meu personagem. Com a mesma fantasia, ele havia desfilado em todas as escolas que se apresentaram até então. Quem era o sujeito?
Fui perguntar para o presidente de uma escola do Badu (não lembro o nome nem sei se a agremiação existe ainda) sobre aquele passista que fazia misérias com o pandeiro, sambava como um louco, sempre com um sorriso cheio de dentes e olhos esgazeados.
“Presidente, esse aí não cansa?”, perguntei ao cartola.
“Cansa nada. Na escola a gente diz que ele só pode ter dois pulmões, só pode”, respondeu o homem, a sério.
O trabalho terminou ao meio-dia de domingo. A sorte é que nos meus 21 anos eu ainda tinha muito lenha para queimar. Ao final, lembro-me de ter ido a um botequim inóspito na Visconde de Sepetiba na companhia de Faber. Pedimos dois sanduíches das mais hediondas linguiças com que já me deparara. Para acompanhar, latas mornas de uma cerveja barata e horrorosa.
Na Redação, escrevi 12 relatos, um por escola. O editor, uma sumidade, esqueceu de publicar um texto. Quem for à Biblioteca Nacional e pedir para ler a reportagem de “O Fluminense” daquele dia vai achar que só 11 agremiações evoluíram pela avenida.
Muitos Carnavais vieram depois. Todos eles muito trabalhosos e lastimáveis. Mas esse do subgrupo niteroiense se superou na ruindade. Jamais esqueci aquele perrengue.