Caminhar na Estrada Froes sempre foi sinônimo de prazer, em que pese o excesso de velocidade de alguns carros numa via tão sinuosa. Mas, agora, tento evitar. Por razões, digamos, animais.
Há anos, numa travessia a pé da França para a Espanha, logo após cruzar os Pirineus, observei o caminho de terra tomado por formigas. Também faziam uma travessia, carregando folhas, frutos e cascas bem maiores que elas próprias. Não sabia direito o que fazer, entre as opções a seguir: ou olhava para o horizonte à frente e pisava aleatoriamente nas bichanas ou se abaixava a cabeça e tentava evitar o massacre.
Minhas botas pouparam muitas, mas não todas. Impossível. Mas não há nada no meu caminho que me tire tanto do sério quanto encontrar o bicho homem carregando passarinho numa gaiola. Pronto, toda a paz se esvai em fração de segundos. Tento me conter, mas meu pensamento voa em direção a uma vontade incontrolável de soltar o pobre animal.
Na Praia das Flechas, mês passado, um cidadão de chinelos, bermuda e camiseta, soltinho como bom arroz na panela, mantinha preso numa gaiola um pássaro estático, sem movimentos, engessado em sua imensa tristeza entre quatro paredes em frente ao marzão. Ah, insensatez.
A pressão sobe, o sangue engrossa, o stent quase entope. No carnaval passado, que fingiu inexistir existindo, fui caminhar em São Tomé das Letras, Minas Gerais, cidade conhecida por cachoeiras, trilhas e campos de pouso de discos voadores. Ah, e por pedra que margeia muita piscina.
Imaginava que lá, interiorzão, me aborreceria com gaiolas nas mãos de seres que deveriam, esses sim, estar dentro delas. Ledo engano. A simpática cidade é um viveiro a céu aberto, com centenas de pássaros a transitar em alta velocidade sobre nossas cabeças. Maritacas maritaqueiam o tempo todo. Lá é mesmo lugar de bicho solto, incluindo o bicho-grilo-paz-e-amor que espera o por-do-sol sentado numa pirâmide.
De volta a Nikiti, encarei a pé a Estrada Froes. Duas araras presas numa gaiola de ferro, penduradas na fachada de uma casa, me emudeceram. Diz o dicionário que uma arara grasna, taramela, palra. Acho que ali, naquela curva, naquelas condições, elas apenas pedem socorro.
Isso sim me deixa uma arara.