5 de dezembro

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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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O que me deixa uma arara no caminho

maritacas passaros
Maritacas maritaqueando: bicho bom é bicho solto! Foto: Giovanni Faria

Caminhar na Estrada Froes sempre foi sinônimo de prazer, em que pese o excesso de velocidade de alguns carros numa via tão sinuosa. Mas, agora, tento evitar. Por razões, digamos, animais.

Há anos, numa travessia a pé da França para a Espanha, logo após cruzar os Pirineus, observei o caminho de terra tomado por formigas. Também faziam uma travessia, carregando folhas, frutos e cascas bem maiores que elas próprias. Não sabia direito o que fazer, entre as  opções a seguir: ou olhava para o horizonte à frente e pisava aleatoriamente nas bichanas ou se abaixava a cabeça e tentava evitar o massacre.

Minhas botas pouparam muitas, mas não todas. Impossível. Mas não há nada no meu caminho que me tire tanto do sério quanto encontrar o bicho homem carregando passarinho numa gaiola. Pronto, toda a paz se esvai em fração de segundos. Tento me conter, mas meu pensamento voa em direção a uma vontade incontrolável de soltar o pobre animal.

Na Praia das Flechas, mês passado, um cidadão de chinelos, bermuda e camiseta, soltinho como bom arroz na panela, mantinha preso numa gaiola um pássaro estático, sem movimentos, engessado em sua imensa tristeza entre quatro paredes em frente ao marzão. Ah, insensatez.

A pressão sobe, o sangue engrossa, o stent quase entope. No carnaval passado, que fingiu inexistir existindo, fui caminhar em São Tomé das Letras, Minas Gerais, cidade conhecida por cachoeiras, trilhas e campos de pouso de discos voadores. Ah, e por pedra que margeia muita piscina.

Imaginava que lá, interiorzão, me aborreceria com gaiolas nas mãos de seres que deveriam, esses sim, estar dentro delas. Ledo engano. A simpática cidade é um viveiro a céu aberto, com centenas de pássaros a transitar em alta velocidade sobre nossas cabeças. Maritacas maritaqueiam o tempo todo. Lá é mesmo lugar de bicho solto, incluindo o bicho-grilo-paz-e-amor que espera o por-do-sol sentado numa pirâmide.

De volta a Nikiti, encarei a pé a Estrada Froes. Duas araras presas numa gaiola de ferro, penduradas na fachada de uma casa, me emudeceram. Diz o dicionário que uma arara grasna, taramela, palra. Acho que ali, naquela curva, naquelas condições, elas apenas pedem socorro.

Isso sim me deixa uma arara.

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