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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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O primeiro tiroteio a gente não esquece

barreto
Lembranças amareladas: a página do jornal com a notícia sobre o tiroteio no Barreto

Se a pessoa sobreviver, imagino que o primeiro tiroteio será inesquecível. Foi o meu caso, pelo menos. Tinha então 21 anos, três meses e uns quebrados. E estive no meio de uma violenta troca de balas entre policiais e assaltantes em um morro no Barreto.

Como sabem os meus poucos leitores (se é que haja algum), era, na ocasião, repórter iniciante de “O Fluminense”, jornal diário até hoje vendido nas bancas de Niterói.

De manhã, na Redação, fui chamado pelo jornalista Gilberto Fontes, o melhor chefe de reportagem que já tive. Com sua voz gentil, incapaz de alterar-se seja lá o tamanho do dissabor, Gilberto pediu:

“Serginho, pega um carro e um lambe-lambe e vai rápido praquela área de Neves, do Barreto. Houve um roubo por lá, a situação está muito tensa. A polícia tá atrás dos bandidos, o tiro tá comendo”.

Ainda trago a data na minha memória: 2 de janeiro de 1984. Vinha eu de uma festa de réveillon barra-pesada, com direito aos tradicionais exageros da ocasião.

O lambe-lambe que me acompanhou era Paulo Faber, veterano na empresa. Ao volante, José Argemiro, o popular Mosquito, a quem dediquei uma coluna no “A Seguir” tempos atrás.

A história começara mais cedo, quando dez bandidos atacaram o posto pagador de uma empresa de ônibus no Porto da Pedra, em São Gonçalo. Antes, dois ou três deles estiveram na casa do gerente, responsável pela guarda das chaves do escritório e do cofre. Logicamente, o sujeito deu tudo o que os assaltantes pediam. Talvez desse até a própria mãe.

O plano do roubo transcorria bem. A quadrilha, que rendeu 50 funcionários, levou CR$ 15 milhões. Os bandidos fugiram em três carros. Deram azar porque no bairro de Neves foram avistados por uma patrulhinha da PM. Começou, então, a perseguição que durante meses foi comentada no grande Barreto.

Os carros dos bandidos e as Veraneios e os Fuscas da Polícia Militar rodaram em alta velocidade pelos bairros da região. Das janelas, bandidos e policiais atiravam sem demonstrar preocupação com os pobres coitados que passavam pelas ruas.

O cerco se fechou na subida de um morro ermo, em terreno pertencente à Rede Ferroviária Federal com acesso pela travessa Carlos Gomes. Os criminosos deixaram os carros e fugiram em desespero para um carrascal medonho em busca de abrigo.

 

A equipe de “O Fluminense” já acompanhava a caça aos assaltantes. Em uma espécie de terreirão estavam as patrulhas da PM, dois carros abandonados pelos bandidos, uns 80 policiais, jornalistas e curiosos.

Um helicóptero da polícia voava sobre o área, dando rasantes que apavoravam mais ainda os moradores. A caçada não evoluía. Os PMs tinham medo de entrar no matagal tenebroso; os bandidos permaneciam malocados na vegetação.

Quando tudo parecia calmo, quando ninguém imaginava mais que a polícia encontraria os marginais, irrompeu a intensa fuzilaria. Todo mundo se jogou no chão. As balas zuniram por uns cinco minutos. Tinha gente que chorava. Alguns marmanjos gargalhavam com gosto ao ver os jornalistas tentando entrar debaixo dos carros.

Ao final do confronto, três cadáveres perfurados avermelhavam aquele matagal insalubre. Os demais conseguiram fugir.

O texto publicado no dia seguinte em “O Fluminense” contava que nenhum deles havia sido identificado, embora houvesse a suspeita de que um seria o alcunhado “Paraibinha”, ex-funcionário da viação.

Do total roubado, somente CR$ 1,7 milhão foi recuperado. Não me perguntem o que era esse CR$. Naquele época o dinheiro do Brasil mudava a toda hora. Também não me perguntem quem ficou com o resto da grana.

Dentro do Passat verde usados pelos criminosos, a perícia recolheu uma concha e uma garrafa cheia de um líquido amarelado. Um umbandista que acompanhou a confusão desde o início acercou-se dos jornalistas e assegurou. “Isso é despacho de macumba.” Pelo visto, o despacho foi muito malfeito, pensei cá comigo ao observar o estado dos defuntos.

“Bandidos encurralados e fuzilados no Barreto” foi a manchete de página no dia seguinte. Imagino que também tenha sido a manchete do jornal, mas não tenho certeza, meus neurônios estão muito desgastados.

Cinco fotos ilustravam a reportagem, que tive a honra de assinar com a jornalista Deborah Bruno, querida amiga, repórter que muito me ajudou naquele meu início na profissão.

Depois desse, muitos outros tiroteios (e jornais) vieram: morro da Mineira, favela da Rocinha, complexos da Maré e da Penha, morro de São Carlos, favela de Acari, morro da Providência.

Mas o bangue-bangue pioneiro, no nosso Barreto, foi o que mais marcou.

 

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