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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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O patê humano

gradim
Extinta praia do Gradim, antes da construção da Rodovia Niterói-Manilha. Foto Memória São Gonçalo

Tudo passa muito rápido nesta vida. Principalmente carros, ônibus e caminhões que trafegam na Niterói-Manilha, rodovia que completará 40 anos em 2024. Como escrevi no início do texto, tudo é rápido demais. O tempo, inclusive.

Pois eu lembro como se fosse ontem o passeio que fiz em 1983 pela Niterói-Manilha em construção. Era, então, repórter do jornal diário “O Fluminense”. Em um ônibus fretado pelo antigo Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), os jornalistas conheceram a obra.

O asfalto ainda não havia sido colocado. Da Praça do Barreto, em Niterói, até o bairro de Manilha, em Itaboraí, o caminho era tomado por lamaçais e crateras. Viagem terrível, compensada pelo almoço em uma churrascaria rodízio que funcionava perto de Tribobó. Jornalista nunca foi de perder boca livre, a verdade é essa.

Meses depois a estrada finalmente foi inaugurada. Era um trecho de uns 20 km da BR-101, que liga o Sul ao Nordeste brasileiros. As margens da rodovia imediatamente começaram ser ocupadas por barracos, casebres e biroscas. Em pouco tempo, ocorreu um expressivo adensamento urbano e populacional na região. Situação que, ao longo destas quatro décadas, só aumentou.

A Niterói-Manilha não tinha passarelas para pedestres. As pessoas atravessavam no peito e na raça. Não podia dar certo. Os atropelamentos eram diários. Uma tragédia cotidiana acontecendo à vista de todos.

A rodovia absorveu grande parte do trânsito da estrada Amaral Peixoto, a RJ-104, no trecho entre a Caixa D’Água do Fonseca e Itaboraí. As pistas nos dois sentidos tornaram-se vias expressas sem a mínima proteção para os pedestres. À época, acho que não havia nem sequer limites de velocidade nas estradas brasileiras. Se havia, inexistiam radares ou outros meios de aferição.

A quantidade imensa de atropelamentos fatais chamou a atenção da imprensa. Recordo-me que fui pautado para um caso que aconteceu perto do Gradim, na pista sentido Niterói.

Uma carreta em alta velocidade atingiu um homem que fracassara na tentativa de atravessar a rodovia. O cadáver ficou irreconhecível, destroçado pelo impacto. Lembro que um dos jornais populares publicados à época manchetou: “Patê humano na Niterói-Manilha”. No texto, o jornal informava que os restos do cadáver tiveram que ser retirados da pista com uma pá.

Ninguém sabia quem era aquela vítima. O que sobrou do corpo foi levado para o Instituto Médico Legal na Rua Coronel Gomes Machado, no Centro de Niterói. Na tentativa de identificar o defunto, a polícia percorreu a área até encontrar um homem que dizia desconfiar de quem poderia ser o morto.

No IML, o sujeito espantou-se com as condições do corpo, tal a quantidade de mutilações. O rosto estava completamente desfigurado. Seria muito difícil identificá-lo, mas um legista insistiu com o cidadão.

“Por acaso o senhor poderia me dizer alguma característica do falecido?”, perguntou o profissional.

O suposto amigo pensou um pouco antes de responder:

“Doutor, o que sei é que ele era fanho e tinha a mania de coçar o saco”.

Jamais a vítima do macabro acidente foi identificada.

 

 

 

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