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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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O morcego preferiu ficar em casa

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O espaço do primeiro Rock in Rio, em 1985. Shows históricos e muita lama

“Por favor, matem Al Jarreau!”

A súplica é uma das lembranças vivas que trago da cobertura jornalística do pioneiro Rock in Rio, no tempestuoso janeiro de 1985.

Era eu repórter do jornal “O Fluminense”, credenciado para a cobertura do festival.

Entre os dias 11 e 20 daquele longínquo mês, artistas brasileiros e estrangeiros lotaram a então batizada Cidade do Rock, um pardieiro gigantesco, coberto de lama.

A frase que abre este texto estava em um cartaz conduzido na noite em que se apresentou o britânico Ozzy Osbourne, o ídolo máximo do heavy metal à época. Era quarta-feira, 16 de janeiro.

O cartaz era conduzido por um rapaz de cabelos na cintura, semblante fechado, todo vestido de preto, botinas grossas enlameadas até o cano, na altura das canelas. Sua camisa trazia a imagem de  um Ozzy esgoelando-se. Silencioso, ele caminhava em meio à multidão compacta, com o cartaz erguido sobre a cabeça.

Para sorte do cantor norte-americano Al Jarreau, ninguém atendeu ao rogo do metaleiro. Expoente do jazz vocalizado, sem qualquer relação com o chamado rock pauleira, o inovador Jarreau apresentou-se no dia seguinte e saiu ileso do palco. Veio a morrer 32 anos depois, em fevereiro de 2017, de causas naturais. Estava a um mês de completar 77 anos de vida.

Não só pelo cartaz aquela noite é inesquecível. Antes de Ozzy, apresentaram-se Os Paralamas do Sucesso, Moraes Moreira e Rita Lee. Roteiro que deixava irados os fãs do heavy metal.

No início do show de Rita, a luz da Cidade do Rock apagou em meio a um dilúvio. Raios e trovões assustavam os mais sensíveis. Lembrou-se na hora o boato de que o vidente e astrólogo francês Nostradamus (1503-1566) profetizara que um grande evento ao sul do planeta terminaria em tragédia sem precedentes.

A profecia macabra era mais ou menos a seguinte: “Um grande encontro de jovens na América do Sul perto do final do século terminaria com uma tragédia que causaria a morte de milhares de pessoas”.

A multidão assustou-se com a escuridão, mas nada aconteceu. A luz voltou, o show recomeçou e os metaleiros impacientaram-se com a demora de Rita em se despedir.

Havia grande expectativa em torno da entrada de Ozzy no imenso palco. Os fanáticos estavam convictos de que o cantor comeria vivo um morcego que sobrevoaria o palco assim que ele começasse a cantar.

Logo ouviu-se o estrondo das guitarras e a bateria ensandecida, Ozzy entrou e a loucura começou. Do nada, diante do palco, um sujeito tirou uma enorme cruz escondida dentro da capa que trazia às costas. Cravou a cruz no lamaçal, ajoelhou-se e iniciou um murmúrio interpretado como reza pagã pelos conhecedores dos segredos do metal.

De imediato, fãs trajados de negro, longos cabelos em desalinho e cabeças em movimentos acelerados ao ritmo do rock pauleira, acenderam velas em torno da cruz e também postaram-se de joelhos.

“Missa negra no Rock in Rio!”, mancheteavam no dia seguinte os jornais mais populares.

O morcego achou melhor ficar na árvore e não apareceu naquele show. Ozzy deve ter ficado com fome. E Nostradamus, se previu mesmo a tragédia, estava mal informado.

A noite terminou de forma romântica. Em seguida ao metaleiro, “adentrou o gramado” o peso-pesado Rod Stewart, astro inglês cuja origem na música havia sido o rock tradicional, no Jeff Beck Group e no The Faces.

Na carreira solo, Rod, que cheguei a entrevistar alguns anos depois, quando trabalhava na “Folha de S. Paulo”, enveredara por canções pop de grande qualidade e apelo popular.

Apesar da ira do pessoal do heavy metal, o show de Rod, sob um dos maiores temporais que já presenciei, foi espetacular.

Voltei à Cidade do Rock outras vezes naquele primeiro festival. Mas aquela quarta-feira diluviana foi a melhor de todas.

 

 

 

 

 

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