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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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O mendigo de Natal

Restaurante popular costuma ficar lotado na hora do almoço. Foto: Gabriel Mansur
Restaurante popular de Niterói: ponto de encontro de desempregados na cidade, mas também de muitos trabalhadores de baixa renda, neste Natal

Nesta época de fim de ano lembro-me bem do episódio que relato a seguir. Era, então, repórter de O Fluminense. O ano era 1984, talvez 1985. O local, a sombra propiciada por uma marquise nas imediações da rodoviária Roberto Silveira, bem em frente ao velho edifício do Grupo Fluminense Comunicações.

Sempre via sob a marquise um mendigo simpático, contador de histórias, colega de taxistas, criminosos, guardas e prostitutas que circulavam por aquele trecho pavoroso do Centro niteroiense. Era chamado por todos de Pai Tomás.

Não lembro a razão, mas certa vez troquei umas palavras com o homem (hoje diriam que é um cidadão em situação de rua; recuso-me a aderir a essa novidade cretina).

Desde então ele me cumprimentava: “Bom dia (ou boa tarde ou boa noite), seu repórter”.

Como não poderia ser diferente, vestia-se mal o Pai Tomás. Roupas em petição de miséria, dignas de um pobre sujeito que, para viver, valia-se da mendicância.

Com a chegada do Natal, resolvi me desfazer de algumas roupas antigas. Também peguei peças já não usadas por meu pai e pelo meu irmão. Ao chegar ao trabalho, entreguei a sacola a Pai Tomás, sentado na sua sombra preferida.

“Muito obrigado, seu repórter, não precisava. Que bom que o senhor lembrou de mim”, agradeceu ele, quase em prantos.

No dia seguinte, na chegada ao prédio do jornal, encontrei Pai Tomás com os mesmos andrajos de sempre.

“O que houve? As roupas não serviram, você não gostou delas?”, perguntei.

“Que isso, seu repórter! Adorei, parece que as roupas foram feitas por um alfaiate especialmente para mim!”

“Então, por que você não joga fora esses trapos velhos e usa uma camisa e um calção mais novos, como os que te dei?”

“Seu repórter, eu não misturo as coisas. Essas aqui (e apontou para a camisa furada que vestia) são minhas roupas de trabalho. As que o senhor me deu são roupas de lazer. Como costumo dizer: eu não misturo as coisas!”

Segui meu caminho, não disse mais nada.

Feliz 2023!!

 

 

 

 

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