Carnaval é época de perrengues, principalmente para os jornalistas. Enquanto milhões se divertem, passamos os quatro dias no trabalho. No Sambódromo, em blocos superlotados de foliões, doidões e ladrões, nas redações à espera de algum fato noticiável. Um desses fatos aconteceu na velha Rio-Bahia, entre Macaé e Casimiro de Abreu. A morte trágica de um motociclista.
Eu era repórter de “O Fluminense”, plantonista na Redação, nos primeiros anos da década de 80. Por telefone, fomos avisados que um homem havia morrido na estrada ao ser derrubado da moto.
“Derrubado por quem?”, perguntei ao informante, um guarda rodoviário. O patrulheiro me contou a incrível história que resultou no óbito do infeliz motoqueiro.
Naquele Carnaval, um grupo de evangélicos passara confinado em um retiro todo o período entre o sábado e a Quarta-feira de Cinzas. O retiro ficava em remota área rural do município de Campos dos Goytacazes. Lugar ermo, silencioso. Não se ouvia nem sequer um tamborim, um batuque ao longe, um surdo solitário. Os fiéis não botaram o pé na rua naqueles dias. Oravam, liam trechos da Santa Bíblia e entoavam cânticos de louvor. Assim passavam o tempo.
A volta a Niterói aconteceria em seguida ao almoço na quarta. Em agradecimento à visita, a administração do templo campista providenciou uma iguaria à época: estrogonofe. Os religiosos não perderam tempo. Devoraram tudo antes de embarcar. Estrogonofe era um prato caro e sofisticado. Como o povo diz, pênalti e boca livre não podem ser desperdiçados.
Mas a coisa degringolou. Antes da chegada ao trevo de Macaé, uns 80 km adiante, o único banheiro do ônibus já estava em petição de miséria. A refeição não batera bem no pessoal. Eram 50 disputando um vaso sanitário infecto. Teve até briga.
Os passageiros agarraram-se ainda mais às preces. Muitos choravam. O tráfego na volta do feriadão era pesadíssimo. Não havia ainda a Via Lagos. A Rio-Bahia tinha só duas pistas sem canteiro central. Engarrafamento monstro.
Em desespero, com dores ventrais agudas, o pastor, chefe do grupo, tomou uma decisão drástica. Ele abriu uma janela, se ajeitou como pode naquele vão apertado, pediu desculpas aos demais, mas disse que não estava se aguentando e que não poderia aguardar sua vez de ir ao banheiro.
Pois estava ele, coberto de provável vergonha, resolvendo seu problema quando, veloz, uma moto começou a ultrapassar o ônibus pela pista da direita. Começou, mas não terminou. O piloto recebeu no rosto, em cheio, o resultado do alívio do pastor. Caiu no arremedo de acostamento que havia. Morreu na hora.
O pastor foi indiciado por homicídio culposo (não intencional). Não sei se foi condenado.
Fica o aviso aos leitores (se os há): evitem o estrogonofe de Campos servido em retiros de fiéis.