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Luiz Cláudio Latgé

Jornalista, documentarista, cronista, atuou na TV Globo por 30 anos, como repórter, editor, diretor. Consultor em estratégia de comunicação, mora em Niterói e costuma ser visto no Mercado de São Pedro.
Publicado

Niterói, Rio de Janeiro, Brasil

Vista disputada na pista de pouso do Parque da Cidade. Foto: Amanda Ares
Do alto desta montanha, 450 anos ns contemplam. Foto: arquivo

A geografia nos define. De certa forma são as coordenadas de nossa vida. De onde você é? Niterói, Rio de Janeiro, Brasil. A pergunta não é onde você nasceu, como vai aparecer no documento de identidade. Mas de onde você é. Destino e escolha. Como antes de você, na história dos seus pais, dos seus avós. Gosto de compartilhar com eles a memória de Niterói, e às vezes tento enxergar o que meu avô viu ao chegar a França ou minha avó, saída de Friburgo, de uma família italiana. Todos de Niterói. E os primos, os amigos de escola, os colegas de futebol, de praia, de bar, alguns da Bahia, outros de São Paulo, todos de Niterói.

O endereço e o recorte no tempo, na história de uma cidade que faz 450 anos. Aldeia de São Lourenço dos Índios, terra de Arariboia. Assim passamos 300 anos. Talvez isto explique este sentimento de tribo.

Meu tempo traz boas recordações. A praia, a possibilidade de ir de um lado para outro em segurança, às vezes de bicicleta. Mangueiras, carambolas, jamelão, tamarindos e pitangas por toda parte. Um campo de futebol em cada bairro. O time da rua, o time do bairro, Canto do Rio, Marieta, Gragoatá… O time da cidade. A cidade do Gérson. Campo de São Bento, surf em Itacoatiara, por do sol em Piratininga ou no Parque da Cidade.  E a música da Maldita, a rádio que abriu nossa janela para o mundo.

Muita coisa mudou.

Faz tempo não se vê barco puxando rede em Icaraí, São Francisco ou em Itaipu. A maré já não tá para peixe e a gente dá sorte quando encontra as praias limpas.

Nunca imaginei que algumas das melhores fossem estar na escola. Niterói tinha essa características: escolas tradicionais, as escolas das ordens religiosas, Salesianos, Abel, escolas públicas como o Liceu, a modernidade do Centro Educacional, Gaylussac e mais todos os colégios, Alzira Bittencourt, Marília Mattoso… Alguns dos laços mais fortes que construímos vieram da escola. Niterói tem essa tradição, das Olimpíadas de Matemática, da Escola Técnica Fluminense, da associação de fotografia… E já são mais de 60 anos da UFF.

A lembrança da cidade, no entanto, deve ser reconhecimento, antes de ser saudosismo.  A vida não era muito fácil, se a gente se lembrar bem… Imagina, volta e meia faltava luz! E nem tinha Enel, era Cerj. Faltava água também. E havia ruas sem saneamento. E o atendimento médico era difícil, tinha fila nos postos de Saúde… Bem, neste ponto não mudou.

E o sufoco da condução. Ônibus da Serve, troleybus… Éramos empurrados para as barcas e o vai-e-vem para o Rio de Janeiro. Estive pensando, quer saber, acho que a lembrança da escola era tão boa, porque depois disso a gente tinha que se meter numa barca cheia ou num ônibus lotado sem ar refrigerado. Tudo era no Rio, comprar roupa, cinema, teatro, comer fora. A gente hoje se orgulha do Antônio, do Mário, da Gruta e do peixe na praia em Itaipu. Mas acredita que houve um tempo que os moradores da cidade pegavam o carro para comer na La Mole da Barra? Até que as coisas melhoraram.

Menos o trânsito. Pensou que o engarrafamento era invenção moderna, porque a cidade cresceu e tem 300 mil carros? Nada. Lembro de engarrafamento na Estácio de Sá (para manter as referências históricas), de horas na fila da Cantareira, do congestionamento na ponte. Talvez o que tenha mudado é que hoje o engarrafamento não tem hora e não se pode mais culpar a ponte. Acho que ainda estaremos falando disto nos 500 anos.

Mas já sofremos mais por ser de Niterói. A  gente escondia. Quem não se lembra de algum parente ou conhecido que resolveu emplacar o carro no Rio para esconder a cidade? Era o outro lado da “poça d’água”, para falar com alguma simpatia. Papa-goiaba, era a expressão desdenhosa do carioca para tratar os “vizinhos”. Apesar de ser capital do estado do Rio, ofuscada pelo Rio, Distrito Federal, a cidade era uma província. Não tinha muita opção cultural, durante pelo menos dez anos o único cinema da cidade era o do Plaza Shopping, nem restaurantes…  Tinha missa aos domingos; a do Santuário da Almas tinha música de guitarra e era lotada. E tinha fila para comer um misto quente no Tringuilim, porque Bobs não tinha por aqui. McDonald’s, então, nem pensar.

Talvez seja por este provincianismo que a gente se irrita tanto quando a vaga na porta de casa virar rotativo e a Prefeitura cobrar multa para tudo.

Mas a gente se dava bem. Dava para subir os morros da cidade: Cavalão, Preventório, Estado. O Morro do Estado tinha uma pela “pelada” disputada. Outra era na Caixa d’água, no Fonseca. Não precisa de salvo conduto nem pagar para a milícia para cortar bambu para fazer cafifa. Isso, cafifa, não pipa.

Levamos um tempo para vencer o complexo de viralatas. A gente festejava cada conquista: Luma de Oliveira, Torben e a família Grael, Fernanda Keller, Dalto e Biafra, Banda Tereza, claro, Bia Bedran, Melin, Orquestra da Grota, Marco Luchessi, Roberto DaMatta, Ricardo Campos, Paulo Gustavo, Boechat e olha a Viradouro aí, gente! Sempre fomos um bocado bairristas… Sabia que Roberto Carlos andou por aqui?

O aniversário da cidade exibe muita história, a nossa história. Vale subir o Parque da Cidade para contemplar o por do sol. É esta a paisagem que nos define.

 

 

 

 

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