22 de novembro

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Luiz Cláudio Latgé

Jornalista, documentarista, cronista, atuou na TV Globo por 30 anos, como repórter, editor, diretor. Consultor em estratégia de comunicação, mora em Niterói e costuma ser visto no Mercado de São Pedro.
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Niterói assiste ao “naufrágio” das barcas

CCR administra seis linhas de barcas no Rio. Foto: Divulgação/CCR
Barcas se tornam problema de R$ 1 bilhão nas mãos do governo do estado

Niterói assiste ao “naufrágio” do transporte marítimo na Baía de Guanabara, distante das conversas que definem a crise do serviço.  Não, não afundou nenhuma barca,  é preciso esclarecer logo, em tempos de notícias distorcidas nas redes sociais. Não é literal. É que o serviço está à deriva. Mas não é uma boa figura, porque teve, sim, um navio desgovernado batendo na ponte Rio-Niterói no ano passado, mas isto foi outro problema, outro tipo de incompetência, da enorme lista de problemas que enfrentamos por estas terras. A imagem do naufrágio é mais adequada quando falamos da falência do serviço das barcas, hoje entregue a um contrato vencido com a CCR e uma dívida de R$ 752 milhões.  Este, sim, “foi pelo ralo”…

A privatização das barcas, o serviço de concessões, apareceu como solução, nos anos 90, para resolver a crise vivida pela extinta CONERJ, a Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, que operava com prejuízos e pouca qualidade. Foi a primeira experiência de privatização dos transportes públicos, que depois incluiu a os trens da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), o metrô,  estradas, ponte, os aeroportos e tudo mais que podia interessar à iniciativa privada. Talvez, o serviço das barcas esteja apenas antecipando um problema maior, apenas porque foi a primeira, e já se verá que outras concessionárias também reclamam pesadas indenizações do estado, por perdas contratuais. Mas isto seria assunto para outro artigo, sobre o “descarrilhamento”  dos trens, o “desastre” nas rodovias…

Vamos ficar com a barca, que é assunto fundamental na vida de Niterói. Tão vital que dizemos que vamos às Barcas, quando vamos para o Centro, o coração da cidade. É uma história antiga, como o tráfego de embarcações na Baía de Guanabara, comum no tempo dos índios e uma paisagem que incorporamos desde a fundação do Rio de Janeiro, há 500 anos. O serviço regular de travessia da baía existe há pelo menos 200 anos. E nem sempre funcionou bem. Basta lembrar o quebra-quebra generalizado da Cantareira, em 1959, que acabou em 11 mortos e 126 feridos – e na intervenção do estado, que resultaria na criação da CONERJ, este mesma que depois virou problema e foi privatizada, até a privatização, ela também, virar problema…

O que mudou de fato neste tempo todo foi que o problema que era da conta do Imperador, virou questão para a República, sob gestão federal, mais tarde passou ao Estado do Rio, e hoje, na verdade, interessa apenas ao morador de Niterói. E de São Gonçalo – que, sabemos aqui, não é a mesma coisa… mas não vamos discutir por isso; no caso das barcas, estamos juntos. O fato é que barca não é mais a única opção de transporte público para atravessar a Baía de Guanabara. O serviço que era único, fundado no tempo dos bondes, quando não havia carros nem trens, perdeu a concorrência para outros transportes. Até a inauguração da ponte, era a opção mais rápida e mais barata, diante da alternativa de contornar a baía por Magé. Mas depois foi perdendo espaço, não porque tenha deixado de ser uma opção, mas pelo descaso do poder público, que priorizou o transporte de ônibus.

(Em diversos lugares do mundo, o transporte marítimos subsiste, mesmo com o surgimento de outras opções. Podemos citar Nova York, Tóquio, San Francisco. E olhe que nestes lugares existe a alternativa de trens e metrô, que não temos por aqui)

Mesmo assim, as barcas sustentaram um movimento de 120 mil passageiros, ou perto disso, até 2014.  A crise se agrava com a reforma da Praça XV e a mudança dos pontos de ônibus, que ficavam a poucos passos da estação e sumiram de vista, tornando a viagem de Niterói mais “longa”, depois das obras feitas para as Olimpíadas. Até chegarmos ao movimento precário de 35 mil passageiros que temos hoje. O Catamarã de São Francisco, que a Prefeitura de Niterói enxergava como uma alternativa para desafogar o trânsito da Região Oceânica, também micou, com a ajuda da tarifa de R$ 21, e hoje transporta cerca de 2 mil passageiros e não está nos planos da CCR. A empresa suspendeu o serviço por mais de um ano depois da pandemia e agora mesmo voltou a propor cancelar a linha, para cortar custos. A diferença de movimento é o que leva à conta da CCR de uma dívida de R$ 1 bilhão que cobra do estado e que já topou negociar por R$ 752 milhões, se o governo pagar logo e não fizer muita conta.

O pior de tudo é que a parte mais interessada desta história, que é o morador de Niterói, está fora da conversa. A Prefeitura não participa do debate sobre o destino da companhia, decidido pelo Governador Claudio Castro. Como a mudança dos pontos de ônibus da Praça XV ficou com o Prefeito Eduardo Paes, quando foi decidida.  Não é um problema que apareceu de repente. Apenas foi se agravando, e a cidade não foi capaz de apresentar qualquer contribuição ao debate, nenhum pleito, nenhuma alternativa.

A nova licitação, prometida para este ano, para entrar em vigor, na melhor das hipóteses, em 2024, não pode ser uma mera revisão dos contratos oferecidos até agora. Deve prever uma atualização do modelo de transportes e resolver questões que se arrastam até hoje: por que não ter um terminal em São Gonçalo? Qual o modelo e tamanho ideal das barcas? Existe a possibilidade de uso de energia elétrica, de menor custo e sustentável? Qual o valor da tarifa a ser cobrada? A tarifa deve ser subsidiada, se, na prática, na privatização, a conta acabou mesmo no colo do Estado?

É preciso que a Prefeitura entre no debate. Ou  vamos ficar vendo o naufrágio, engarrafados na Roberto Silveira ou na ponte, como presos numa garrafa atirada ao mar sem encontrar socorro…

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