4 de dezembro

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Silvia Fonseca

Silvia Fonseca é jornalista e trabalhou por 30 anos no jornal O GLOBO, onde foi Editora Executiva. Tem pós em Gestão de Redação, tem uma consultoria em soluções de mídia e é sócia fundadora do A Seguir: Niterói. Nasceu em Minas, mas mora em Niterói há 32 anos.
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Lembra do Valdemar?

carro bolsonaro
Carro com adesivos de Bolsonaro na eleição de 2022 em Niterói

Sexta-feira, perto das 4h da tarde, cinco pessoas na fila de um caixa eletrônico em Icaraí. Zona nobre de Niterói, uma das maiores concentrações de renda salarial alta do país. (Parênteses para o fato de que salário alto não significa escolaridade alta). Em menos de dez minutos, o atraso da elite e a má-fé dos falsos ignorantes se exibem na fila sem qualquer pudor.

Um homem que estava só e duas mulheres à minha frente, todos de mais de 50 anos, conversam sobre como os preços da  alimentação subiram. As duas amigas pretendiam lanchar numa famosa padaria do bairro, mas o homem avisou que a comida a quilo no lugar estava caríssima. Na boca do caixa, uma outra mulher entra na conversa. Antes de qualquer coisa, diz que é médica e que o pai de um amigo dela, já com 87 anos, contou que em meados do ano que vem vai haver uma intervenção, o atual governo vai cair e os preços vão disparar ainda mais, entre outros disparates.

Uma das duas amigas que se preparavam para um lanche de fim de tarde respondeu que quem tem dois imóveis vai perder um deles. Todo mundo só poderá ficar com um apartamento, imagine! Ao que o homem comentou também estar sabendo disso, que “só tem bandido neste país” e que está cansado de “ver o Brasil passar vergonha no exterior”. Não preciso dizer que os quatro se reconheceram e se animaram a falar mal dos que chamavam de bandidos (“essa gente de esquerda”) e a relatar previsões catastróficas para o país antes de o atual governo ser enfim deposto. Ninguém ficou corado com tantas sandices.

Não é surpresa. Bolsonaro e bolsonaristas esbanjam votos em Icaraí há mais eleições do que poderíamos suspeitar até 2018. O que impressiona não é  continuarem apoiando Bolsonaro (isso também!), mas o grau de desinformação de gente que estudou em bons colégios, vive e come muito bem, obrigada.

Com todo o acesso a informação de qualidade, escolhem viver em guetos mal informados, mal intencionados, mal formados, reféns de um ódio alimentado por gente do andar de cima. Desde que possam se sentar na padaria caríssima, e ainda fazer umas comprinhas pelo caminho, melhor continuar tudo como está. Não sem antes  tratar de passar logo os apartamentos para os filhos.

Claro que a existência desse tipo de comportamento e desinformação também não é novidade. É comum esbarrar com eles e sentir o cheiro dos vômitos de ignorância, como  na fila desta sexta-feira. Não importa se apoiam  A ou B, direita ou esquerda, torcem ou não por este ou aquele governo. Mas a falta de cerimônia com que propagam as maiores leviandades do mundo, sem vergonha de parecerem preconceituosos e ignorantes como de fato são, ainda assusta.

No mesmo dia, jornalistas profissionais informavam que o tenente-coronel Mauro Cid, ajudante de ordens de Bolsonaro e preso por falsificação de dados de vacinação contra a Covid, tentou vender por 60 mil dólares um Rolex recebido pelo então presidente em viagem oficial. Sobre isso, os da fila do caixa eletrônico não falaram.  Certamente não sabiam (porque só se informam por whatsapp) ou não  acreditariam. Mas não duvidam que correm o risco de terem seus apartamentos confiscados logo ali.

Na fila, só consegui me lembrar do Valdemar.

Ele mesmo, Valdemar Costa Neto, rei do Centrão e presidente do PL, partido de Bolsonaro.

Em recente entrevista, perguntado por que afinal continua apoiando o ex-presidente depois de tudo o que se passou, Valdemar não pensou duas vezes.

– Porque Bolsonaro é uma máquina de votos.

Sabe tudo, o Valdemar. É de fato uma máquina de votos. Engrenagem azeitada por eleitores que se informam como os que estavam na fila de Icaraí.

 

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