‘Joguem a medalha no lixo’. A frase expressa a indignação do antropólogo baiano Antônio Risério ao descobrir que a comenda oferecida pela Biblioteca Nacional, a ordem do mérito do livro, seria entregue, entre outros homenageados, também ao Deputado Federal Daniel Silveira. Aquele que quebrou a placa de rua com o nome da Vereadora Marielle Franco, xinga a mãe dos Ministros do Supremo e foi preso por ataques contra a democracia. O truculento ex-policial escapou da cadeia graças ao Presidente Jair Bolsonaro, companheiro de pensamento, que o beneficiou de forma inusitada com um indulto presidencial. Mas para os gestores da Biblioteca Nacional, mesmo sem escrever uma linha, merece a lembrança.
Não foi o único. O professor e escritor Antônio Carlos Secchin e o escritor e poeta, Marco Lucchese, ambos da Academia Brasileira de Letras, também abriram mão da distinção.
A medalha de Daniel Silveira simboliza bem o desprezo do Governo Bolsonaro pela cultura, pelo conhecimento e pelos valores da sociedade. Representa o Brasil que vai para o lixo na desastrosa gestão do Planalto. Um presidente que tripudia do Brasil, capaz de nomear para o Meio Ambiente um desmatador, e assim joga no lixo floresta amazônica; entrega a Saúde a um apalermado que prescreve cloroquina e joga no lixo a vida de quem deveria proteger; ou coloca a Educação nas mãos de um pastor corrompido, que joga no lixo o futuro das nossas crianças para distribuir bíblias com o próprio retrato…
A lista é enorme e só aumenta. E empurra o Brasil para a linha da pobreza e mais de 20 anos de retrocesso, com 36 milhões de brasileiros em situação de miséria, jogando no lixo a esperança de um país inteiro.
Não deveria ser assunto de uma coluna de jornal local. A Biblioteca Nacional é pauta da grande mídia, não seria necessário abordar neste espaço, entre os temas da semana. Mas a cidade não escapa dos desastres da vida nacional, o desemprego, a inflação, o isolamento internacional, a insegurança, que se impõe a todos, em todo o território.
Niterói também tem seus representantes nesta linha de pensamento. O Deputado Federal Carlos Jordy, que compartilha dos ideiais de Bolsonaro e Daniel Silveira, também recebeu a medalha. Além disso, o noticiário da semana também botou em evidência o vereador Douglas Gomes, o representante do bolsonarismo na Câmara Municipal. Ele foi condenado a mais de um ano de prisão por ofensas e ameaças contra a vereadora transexual Benny Briolly. Vai recorrer, alegando que a punição restringe sua liberdade de expressão.
O pensamento bolsonarista não tem sofrido cerceamentos no país, apesar dos inúmeros processos e pedidos de impeachment. Também nesta mesma semana, o país teve a chance de conhecer melhor o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães. O “Pedro maluco”, como é conhecido no mercado financeiro. “Pedrão”, como se refere a ele o Presidente Bolsonaro, parceiro em centenas de eventos, quase um papagaio de pirata nas fotos espalhadas nas redes sociais. Pois soubemos que o dirigente de um dos maiores bancos do país gosta de convidar as funcionárias para fotografias, quando pede um abraço e costuma apalpar a bunda das meninas.
O Presidente não se manifestou sobre o assunto. Poderia dizer que não pode ser responsabilizado pela conduta sexual de todos os seus funcionários. É verdade. Mas deve ser responsabilizado, sim, pela qualidade profissional e pessoal do homem que escolheu para comandar a Caixa. Esta desqualificação não se escondia nas repartições do banco como o assédio covarde praticado contra as funcionárias. Estava visível nas reuniões de trabalho. Uma das performances de “Pedrão” está disponível nas redes sociais. É a gravação de uma reunião do executivo com diretores e gerentes do banco. Reproduzo um trecho, em que ameaça o grupo, depois de ter uma decisão questionada:
“Quem for responsável vai deixar de ser. O (fulaninho) é pau mole. Quero o CPF de todo mundo”. Ele grita. “Não é aceitável!” E de novo: “caguei para a opinião de vocês. Porque eu é que mando! Isso aqui não é uma democracia”. E conclui: “Ah, mas o vice-presidente (aprovou)… Foda-se. Manda todo mundo tomar no cu.”
É provável que a Biblioteca Nacional só tenha tomado conhecimento da literatura de Pedro Guimarães esta semana. Soubesse antes, provavelmente também receberia uma medalha, ao lado de Daniel Silveira.
Então, me perdoem, mas é assunto, sim, para uma coluna de jornal de Niterói. É a nossa vida jogada no lixo.