18 de abril

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Lupulinário

Por Sônia Apolinário

Sônia Apolinário é jornalista tendo trabalhado nos principais jornais do país, sempre na área de Cultura. Também beer sommelière, quando o assunto é cerveja e afins, ela se transforma na Lupulinário.
Publicado

Harmonização de Páscoa: vinho x cerveja

bacalhau com natas
Bacalhau com Natas da Gruta de Santo Antônio. Foto: reprodução

Ao longo da História, o vinho ganhou o status de “bebida gastronômica” quase que por natureza. Significa que, ao longo dos tempos, é no vinho que se pensa como bebida para acompanhar as refeições.

Já a cerveja ficava relegada às mesas das tavernas e botecos, sendo apenas associada à beberagem, mesmo. Porém, o cenário tem mudado bastante para o lado da bebida.

Enquanto o mundo do vinho tenta provar que é possível consumir a bebida sem complicações e rapapés, a cerveja corre por fora para mostrar que pode, sim, acompanhar muito bem qualquer refeição – da entrada à sobremesa. E um dos primeiros a falar sobre isso foi Charles Bamforth no seu livroVinhos versus cerveja: uma comparação histórica, tecnológica e social”. Uma delícia de leitura.

Diante desse quadro, aproveitando que a Páscoa se aproxima e, com a data, os tradicionais almoços comemorativos, Lupulinário propôs um desafio Vinho X Cerveja: o mesmo cardápio sendo harmonizado com as duas bebidas.

Na defesa do vinho, entra em campo a enófila Anelise Miranda, enquanto Lupulinário levanta a bandeira da cerveja. Nesse “embate”, vence o consumidor que poderá se inspirar e fazer suas escolhas com mais independência. Todos os itens dos dois cardápios criados pela Lupulinário são encontráveis em Niterói, bem como os rótulos sugeridos. Porém, as indicações seguem apenas a lógica da harmonização, sem vínculos comerciais ou publicitários. Que vença o melhor (sabor)!

Cardápio 1

A – Bolinho de bacalhau (Caneco Gelado do Mário)

B – Bacalhau com Natas (Gruta de Santo Antônio) – Feito com lascas gratinadas no creme de leite, misturadas em molho bechamel, batatas palito e cebolas –

C – Ovo de colher Chocomelo Crocante (produto artesanal, Larikisses) – Casca base de cookie de chocolate recheado com caramelo salgado e massa folhada crocante com cobertura de brigadeiro meio amargo.

1A – Bolinho de bacalhau

AM: “Essa clássica entrada portuguesa, com seu sabor marcante e textura crocante por fora e macia por dentro, é perfeita para abrir os trabalhos com estilo. Por ser frita, pede uma bebida que traga frescor e acidez para equilibrar a gordura e preparar o paladar para os próximos sabores – e é justamente aí que entra o charme da harmonização. Uma excelente pedida é um espumante brut brasileiro que, com suas borbulhas vibrantes e refrescância, limpa o paladar e desperta o apetite. O Casa Valduga Brut, por exemplo, traz elegância e vivacidade na medida certa”.

L:  Por ser uma fritura, pede uma cerveja não muito leve. Como se trata de uma entrada, melhor que o teor alcoólico não seja muito elevado. Uma harmonização clássica é com cervejas de trigo (Weissbier) que são refrescantes, têm leve acidez e aroma que remete a cravo e banana. Porém, acredito que, com esse petisco, um pouco de lúpulo cai bem – vai ajudar a “cortar” um pouco da gordura. Bohemian Pilsner, German Pils, Hop Lager, Bitter e até uma APA são estilos que garantem doses de amargor sem, porém, se sobressair demais ao petisco, que tem sabor delicado. Na dúvida, olhe o IBU. Quanto maior o número, mais amarga será a cerveja. E aqui, não queremos amargor em excesso. Um exemplo de Weissbier clássica é a Paulaner, com amargor bem sutil; para um amargor um pouco mais acentuado, vale apostar em um rótulo que é mais do que referência no estilo, mas a própria origem do estilo: Pilsner Urquel.

1B – Bacalhau com Natas

AM: “Com sua cremosidade marcante, esse prato é uma verdadeira explosão de sabor e equilíbrio. A presença do creme de leite, das batatas palito e do clássico molho bechamel conferem uma estrutura rica e envolvente que pede, naturalmente, um vinho à altura – com mais corpo, complexidade e elegância. Aqui, um Alvarinho com passagem por barrica é a escolha ideal. A madeira sutil acrescenta profundidade ao vinho, tornando-o capaz de acompanhar os elementos mais densos e cremosos do prato, sem perder a vivacidade característica da uva. Sugestões certeiras são o Muros Antigos, do consagrado enólogo português Anselmo Mendes, ou ainda o elegante Alvarinho da Vinícola Hermann, da Serra do Sudeste, no Rio Grande do Sul. Ambos trazem notas frutadas com toques de baunilha e especiarias, além de uma acidez equilibrada que realça cada nuance da receita. Quer tinto? Aposte em um com corpo médio, podendo ser um Alentejano. Essa dica é para os amantes dos tintos que não abrem mão desse tipo de vinho mesmo com pratos em que os brancos são mais indicados”.

L: Eu sou fã de cervejas da Escola Belga. Acho que absolutamente tudo combina com alguns dos seus estilos, principalmente a Tripel – para mim, um verdadeiro “pretinho básico”. Esse prato é um desafio para mim porque não sou muito fã de comida gratinada no creme de leite e evito molho bechamel por achar um tanto enjoativo. É claro que só consigo pensar em uma bela cerveja belga para acompanhar essa receita. Um exemplo de rótulo é a Maredsous Tripel. Tem 10,0% de teor alcoólico, uma graduação mais elevada para segurar um prato mais potente.  Uma Tripel tem um sabor levemente adocicado, mas também condimentado e por mais contraditório que possa parecer, tem um amargorzinho dizendo um “oi” discreto o que, para o meu gosto, ajuda a não deixar o prato enjoativo. No caso desse rótulo, ainda tem um toque cítrico no aroma e um final seco que vai  compor com elegância esse prato com molho. Nesse momento, está plugada no Armazém São Jorge uma Tripel de “responsa”, a Straffe Hendrik Brugs Tripel Bier 9  (9% de teor alcoólico) e vale a oportunidade. O gole começa adocicado e termina seco, com amargor assertivo.

1C – Ovo de colher Chocomelo Crocante

AM: “Nessa sobremesa o Porto Ruby que  é rico em aromas de frutos silvestres, frutas pretas muito maduras, vai harmonizar bem com os chocolates mais amargos. No paladar é encorpado, com equilíbrio e  boa acidez. Também será uma harmonização por semelhança. Procure beber mais geladinho, 18 graus é uma boa temperatura”.

L: Harmonizar chocolate com Porters, Stouts ou Imperial Stouts já se tornou um clássico. Porém, como esse ovo de colher tem uma base de cookie, minha sugestão é uma cerveja no estilo Dunkel, que ´é “puxado” para os aromas e sabores de malte, com notas de casca de pão, chocolate, nozes e caramelo, sabor também presente na sobremesa. É possível elevar um pouco a potência de uma cerveja para essa harmonização com uma Dunkles Bock, mais alcoólica do que a Dunkel (ABV em torno de 7%), também enfatiza as qualidades do malte, sem ser doce no final, com notas de caramelo e toffee presentes. Algum calor alcoólico pode ser percebido, de forma sutil. Ayinger e Schornstein Bock são exemplos de rótulos dos estilos.

Cardápio 2

A – Burrata (Noi) – Queijo fresco 100% búfala, foccacia, rúcula, tomate seco e molho pesto

B – Risotto del Pescatore (Da Carmine) – Risoto de frutos do mar

C – Ovo de páscoa Nhá Benta (Kopenhagen) –  Ovo de chocolate ao leite com recheio de marshmallow

2A – Burrata

AM: “A burrata, com sua textura cremosa e delicada, combinada ao frescor e à intensidade aromática do pesto, é uma entrada que convida à leveza e ao prazer sensorial. Para elevar ainda mais essa experiência, aposte em vinhos brancos leves, jovens, vibrantes, com perfil aromático refinado, notas florais e frutadas, com acidez que equilibra perfeitamente a untuosidade do prato. Entre as melhores opções, destaca-se o Verdevelho australiano como o Bremerton, que se apresenta como um exemplar encantador: equilibrado, fresco e com personalidade, esse vinho valoriza os sabores sem sobrepor a delicadeza da burrata. Outra sugestão é o elegante Pinot Griggio Uruguaio como o Garzón, que entrega um perfil aromático rico em frutas brancas e flores, além de uma acidez marcante e final equilibrado – perfeito para ressaltar os toques herbáceos do pesto com sofisticação e leveza”.

L: Cremosidade, leveza e alguma intensidade. São esses três vetores que precisam ser equilibrados nessa entrada. Farei duas propostas, mais uma vez, tirando da prateleira produções da Escola Belga. Por conta do quesito intensidade, dado pelo pesto, ter um pouco mais de lúpulo é o que norteia minhas escolhas. A Belgian Pale Ale é um estilo fácil de beber, com sabor inicial suave, moderadamente maltada, com notas que podem remeter a mel (para “cobrir” a burrata). O lúpulo tem caráter condimentado, herbal ou floral, que acompanha o restante do prato. Um rótulo comercial, extremamente fácil de encontrar, com o melhor custo benefício possível é a Eisenbahn Pale Ale que tem apenas 4,8% de teor alcoólico. Perfeito para começar os trabalhos. Uma segunda sugestão, é buscar uma Saison um pouco “alterada”, no caso, a Hoppy Saison Citra. Nesse rótulo da cervejaria Zuid, a Saison fica mais amarga (mas não muito) pelo uso do lúpulo Citra, bastante comum na produção de IPAs, Ele acrescenta à bebida um sabor cítrico e aroma frutado que lembra toranja, limão e até maracujá, levando uma refrescância tropical para o prato.

2B – Risotto del Pescatore

AM: “A  combinação de texturas e sabores dos frutos do mar revela-se perfeita quando harmonizada com um grande vinho português como o Cartuxa Reserva. Com sua bela estrutura e notável cremosidade, o vinho apresenta uma acidez equilibrada, ideal para acompanhar risotos à base de frutos do mar. Na boca, mostra-se um vinho de personalidade marcante: estruturado, com excelente equilíbrio entre frescor e acidez, o que proporciona uma harmonia refinada com a untuosidade do prato”.

L: Uma também já clássica harmonização envolvendo cerveja é a dobradinha furtos do mar-Witbier. Isso porque essa cerveja de estilo belga é refrescante, tem intensidade moderada que não derruba a delicadeza dos frutos do mar. Na sua receita, já leva semente de coentro e raspas de laranja, o que ajuda a “temperar” um prato do tipo. Porém, aqui se trata de um risoto, uma preparação com mais untuosidade. Sendo assim, recorro a uma “prima” da Witbier, a também belga Saison. Esse estilo também vai “temperar” o prato, por conta do seu sabor frutado (geralmente cítrico) e especiarias (geralmente picantes). Com final seco e altamente carbonatada, vai permitir um gole refrescante e leve, mas que ajuda a cortar um pouco a cremosidade do preparo.  Um rótulo que pode elevar a experiência de um risoto desse tipo é a Goose Island Sofie. Trata-se de uma Brett Saison envelhecida em barril de vinho branco com casca de laranja. Brett é a levedura selvagem Brettanomyces que, dentre outras coisas, pode produzir ésteres frutados em Saisons. Não é um rótulo muito comum, mas em Niterói, é comercializado pelo sommelier Gil Lebre.

2C – Ovo de páscoa Nhá Benta

AM: “Essa sobremesa super recheada é uma explosão de dulçor assim como o Moscatel de Setúbal. Produzido no sudoeste português, esse é um vinho licoroso, reconhecido por seu aroma intenso e doçura equilibrada, harmonizando perfeitamente com chocolates. Um vinho com textura aveludada e paladar intenso. Tem notas de frutos secos como nozes, avelãs, passas, especiarias e compotas. Essa harmonização se dá por semelhança, ou seja, ambos são doces e um não sobressairá o outro. Uma bela combinação. Beba geladinho. Há quem prefira harmonizar chocolates com tintos como Tannat pela sua intensidade ou mesmo Cabernet Sauvignon ou Malbec. Na verdade, a discussão é mais uma forma de experenciar e ver o que mais agrada ao paladar. Em toda harmonização, seja ela difícil como com chocolates, ovos, entre outras, o importante é que não existe certo ou errado. O verdadeiro sucesso de uma harmonização está na experiência individual e no prazer de criar novas sensações. O mais enriquecedor é permitir-se brincar com os elementos e descobrir nuances que aprimoram cada gole e cada garfada. No fim, o que que importa é a jornada de explorar e descobrir o que mais agrada o seu paladar, deixando que o vinho e a comida se complementem, criando momentos inesquecíveis. Um brinde às boas experiências!

L: Um ovo de páscoa somente de chocolate ao leite harmonizaria muito bem com uma Oatmeal Stout. A graduação alcoólica não muito elevada (5,9%) desse estilo é “compensada” com um sabor que remete ao próprio chocolate ou café com leite ou café com creme – resultado da magia do malte. Porém, o recheio com muito marshmallow pede uma cerveja que remeta ao doce ou mesmo tenha marshmallow como adjunto. Sendo assim, a sorte está lançada porque em Niterói, a partir desta semana, estará plugada uma Dubbel de chocolate com baunilha, a Esqueceram de mim 2, no BrewLab Gastro Pub. Dubbel é uma cerveja belga – sim, mais uma – moderadamente forte em termos de álcool (7,6%) com notas de chocolate, caramelo ou tostado. O sabor é complexo, puxando para o malte, doce no palato, mas com final seco. Uma Belgian Dark Strong Ale também pode ser uma aposta potente frente a tanto dulçor desse ovo de páscoa. Trata-se de uma Dubbel mais intensa, com 12% de álcool. Na boca é moderadamente seca com possibilidade de final ligeiramente doce e alta carbonatação. A essa altura do campeonato, quer dizer, da refeição, o teor alcoólico elevado deve ser observado em função das outras combinações feitas à mesa. Se até o momento, houve parcimônia, permita-se encerrar o almoço comemorativo com uma cerveja potente.

Com vinho ou cerveja, o que vale é a confraternização e uma boa experiência gastronômica.

Feliz Páscoa!

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