26 de dezembro

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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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Há sempre um cachorro no caminho

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Peregrina se despede do cão perdido no Caminho de Santiago, pouco antes de a dona o reencontrá-lo

“Atenção, cão homicida”
A placa no caminho não deixava margem para dúvida: a situação era de alerta máximo. De rabo de olho, conferi em fração de segundo a altura do muro e as condições do portão. Eu corria risco. Rezei baixo, apertei o passo, mas pisando tão macio que uma formiga sob minhas botas sofreria só arranhões. Ufa, nada aconteceu, escapei. Nem um latido.

Cachorros, presos ou soltos, são, a princípio, o terror dos caminhantes – não tanto quanto para ciclistas e motociclistas, claro. Mas há algo que assusta mais: a linguagem das placas. Já vi cão assassino, antissocial, bravo, feroz, faminto, agressivo, pouco amigo, ruim que nem o dono e por aí afora. Mas homicida era a primeira vez.

No tranquilo trecho entre o Porto, em Portugal, e Santiago de Compostela, na Espanha, deparei-me três vezes com uma dobradinha que me arrepiou cabeça, troncos e membros: placa indicando a presença de cão perigoso e, pasmem, portão aberto, escancarado. Ali, tensão máxima, esqueci até como começava o Pai-Nosso. Parecia um ateu.

Mas, calma lá: esses são exceção. A maioria dos cachorros é do tipo que late, late, late e dois segundos depois já está deitado no chão de barriga para cima esperando um carinho qualquer. Vira-latas são os melhores, sem demérito aos demais. Gosto de todos, respeito e tomo cuidado.

Há dias, na travessia em Lapinha da Serra, distrito de Santana do Riacho, na Serra do Cipó, em Minas Gerais, vi uma placa que alertava os caminhantes a não permitir que cachorro os seguissem num longo trecho que desemboca na Cachoeira do Tabuleiro, a mais famosa da região. Motivo: os animais, geralmente mansos e companhias por natureza, têm donos e não conseguem voltar. Faz todo sentido.

Novato em caminhadas, no primeiro Caminho de Santiago, em 2015, desconhecia essa praxe. Na saída do albergue de peregrinos do medieval Mosteiro de Samos, província de Lugo, um cachorro começou a seguir o grupo. Fomos afáveis, ele idem, e por cerca de uma centena de quilômetros, em vários dias, ele nos acompanhou até a Praça do Obradoiro, em Santiago, tradicional local de chegada dos peregrinos.

Ali tínhamos que nos despedir dele. Era o ponto final. Na praça, de um lado para o outro, o cão sem nome virou atração de centenas de cliques fotográficos. Até que, como se fora um milagre, apareceu, não sei como nem sei de onde, a verdadeira dona, que o recolheu de volta depois de perdê-lo no meio do caminho.

Às vezes, ou quase sempre, não é fácil impedir que um cachorro siga o caminhante. Aconteceu recentemente numa travessia entre Duas Barras e Cantagalo, no Rio. Enxotei-o com o sticker (bastão), sem machucá-lo, claro. Corri atrás dele várias vezes. Não houve jeito. O bichano, manso e carinhoso, queria companhia. E foi assim até o fim.

Dissabor, dissabor de verdade, nunca ocorreu. Pelo menos com os cachorros de quatro patas. Mas o danado de um cachorro-quente apimentado na Espanha, esse sim, causou sérios estragos, uma dor de barriga do cão e quase tirou o peregrino do caminho. Mas isso é outra história cheia de molho.

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