Desde quando manifestações artísticas, de pessoas que não são ligadas a partidos e não participam diretamente do processo eleitoral, podem ser consideradas propaganda eleitoral antecipada? Nas ditaduras isso ocorre. Mas numa democracia?
Foi censura sim a decisão do TSE de (tentar) proibir e (tentar) impedir protestos de artistas contra o presidente Bolsonaro no festival Lollapalooza, que acabou neste domingo (27).
Provocado pelo PL de Bolsonaro, que alegou propaganda eleitoral antecipada, o TSE determinou que a organização do festival impedisse a realização de qualquer tipo de manifestação negativa em favor ou desfavor de um candidato, sob pena de multa. (O noticiário dava conta de que havia uns pastores metendo a mão no dinheiro lá no MEC e enchendo os bolsos, mas não se tem notícia de que o PL ou o Presidente tenha ido à Justiça contra isso…)
O ministro Raul Araújo, que decidiu monocraticamente pela proibição no Lolla, foi além: ordenou que, em caso de descumprimento, a Justiça Eleitoral impedisse a continuidade do festival. Pareceria piada, não tivesse um só ministro o poder que tem, sem ter que submeter tal decisão ao colegiado do tribunal.
Tudo isso porque Pabllo Vittar e a estrangeira Marina tinham feito atos contra Bolsonaro e a favor do ex-presidente Lula.
Mas o PL deu um tiro no pé: os protestos contra Bolsonaro cresceram e apareceram muito mais. Saíram dos palcos do Lollapalooza e ganharam as redes sociais, o mundo. A imagem do TSE também saiu chamuscada, e é bom que a corte resolva isso logo porque o ano é eleitoral…
Nos bastidores, ministros do TSE e do STF, incrédulos, criticaram com veemência a decisão de Araujo. No mesmo domingo, inclusive, Bolsonaro fazia discurso de candidato à reeleição e lançava sua pré-candidatura em evento do PL em Brasília. Detalhe: propaganda eleitoral (de candidato ou representante de partido) só é permitida a partir de 15 de agosto, pela lei.
Pergunta se o TSE puniu Bolsonaro? Ou está punindo milhares de outros candidatos, a governador inclusive, que estão fazendo campanha descaradamente fora do período eleitoral, e até usando estruturas de comunicação de prefeituras aliadas?
Além disso, o ministro desconsiderou jurisprudência do próprio TSE, que em 2018 rejeitou ação contra Rogers Waters, do Pink Floyd, por ter criticado Bolsonaro em show no Brasil.
Manifestações de estudantes chamando o presidente de plantão de fascista em universidades públicas também não foram punidas pelo STF, que viu nelas liberdade de expressão. Cala a boca já morreu, chegou a dizer a ministra Carmém Lúcia, do STF, em outro julgamento que condenou de vez a censura no Brasil.
Uma das faixas retiradas da UFF pela PF dizia “Direito UFF Antifascista. A ministra Cármen Lúcia foi a relatora e deu um voto enfático, acompanhado por todos os colegas.
“Impor-se a unanimidade impedindo-se ou dificultando-se a manifestação plural de pensamento é trancar a universidade, silenciar estudantes e amordaçar professores”, disse ela.
Não dá para confundir liberdade de expressão com crime, como ameaçar ministros do STF ou pregar o fechamento do Congresso. Não dá para confundir liberdade de expressão com propaganda eleitoral. E ir contra a liberdade de expressão, desde que ela não configure crime, é censura sim!