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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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Carteado e cachaça na delegacia

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O rio Sarapuí, que corta o município de Duque de Caxias, na Baixada. Foto reprodução da internet

Na década de 90, quando trabalhava na sucursal do Rio da “Folha de S. Paulo”, fiz uma reportagem na Baixada Fluminense que me trouxe à memória episódio vivido por um colega de “O Fluminense”.
Pela “Folha”, percorri os municípios vizinhos de Itaguaí e Paracambi, a fim de apurar a razão de o primeiro deles ser o campeão dos homicídios no Estado do Rio. Já Paracambi, bem ao lado, era um mar de tranquilidade. Ninguém matava, ninguém morria naquelas terras.

Mais intrigante ainda era que a delegacia de Paracambi estava em ruínas, sem equipamentos adequados à boa atuação policial. O delegado e os agentes apresentavam ares de desinteresse, pouco se importando com o que acontecia na cidade. Jogavam baralho e bebiam cachaça em pleno horário de expediente.

“Aqui não há crimes porque a delegacia sabe trabalhar”, disse a mim um balofo e desgrenhado delegado, barba por fazer, terno em petição de miséria, um enferrujado revólver 38 sobre a mesa escorada em tijolos, para não desabar.

Já a delegacia de Itaguaí era um brinco. Reformada, com mobiliário novo, dependências limpas e até um computador moderno, o que era raridade na Polícia Civil fluminense.

Por que então se matava tanto em Itaguaí e nada em Paracambi? Naquela época, o governo estadual implantara a norma de remunerar com extras salariais os policiais que trabalhavam em delegacias e batalhões da PM nas áreas onde as estatísticas criminais eram reduzidas.
Quem me apontou a razão desse disparate foi o delegado de Itaguaí. Era um policial novo, bem vestido, educado. Não portava um três oitão, e sim uma moderna pistola Glock.

“Os policiais de Paracambi são bandidos”, disse ele, indignado. “Matam lá e jogam os cadáveres na nossa área. Assim, os registros são da nossa delegacia. Eles baixam os índices da criminalidade artificialmente e ainda ganham o abono. É muito difícil trabalhar com essa gentalha”, reclamou o delegado.

Uma situação parecida foi vivida em “O Fluminense” pelo colega William Oliveira, aqui citado na coluna anterior. O popular “4 em 1” (repórter, fotógrafo, motorista e papa-defunto) foi durante anos o faz-tudo da sucursal da Baixada do jornal.

William conta que em uma ocasião foi cobrir a notícia de que havia sido encontrado um cadáver no Rio Sarapuí, que corta Duque de Caxias e deságua na Baía de Guanabara ao lado da refinaria da Petrobras.

“Numa margem do rio ficavam os policiais de uma delegacia. Na outra, os policiais de outra delegacia. Quando o defunto chegava perto de uma margem, os policiais o empurravam em direção à outra. Ninguém queria ter o trabalho de fazer o registro de ocorrência. Teve uma hora que um cachorro arrancou a mão do presunto. Fiz a foto. O jornal não publicou, era muito forte a imagem”, lamenta o “4 em 1”, que agora, já aposentado, vem sendo chamado de “5 em 1”. Não me perguntem a razão. Quem sabe é o Turco (o jornalista Aissar Elias Jorge), companheiro daqueles tempos.

(Na semana que vem, contarei algumas das aventuras do motorista José Argemiro, o Mosquito, pai de Fábio Motta, brilhante fotojornalista brasileiro.)

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