Na década de 90, quando trabalhava na sucursal do Rio da “Folha de S. Paulo”, fiz uma reportagem na Baixada Fluminense que me trouxe à memória episódio vivido por um colega de “O Fluminense”.
Pela “Folha”, percorri os municípios vizinhos de Itaguaí e Paracambi, a fim de apurar a razão de o primeiro deles ser o campeão dos homicídios no Estado do Rio. Já Paracambi, bem ao lado, era um mar de tranquilidade. Ninguém matava, ninguém morria naquelas terras.
Mais intrigante ainda era que a delegacia de Paracambi estava em ruínas, sem equipamentos adequados à boa atuação policial. O delegado e os agentes apresentavam ares de desinteresse, pouco se importando com o que acontecia na cidade. Jogavam baralho e bebiam cachaça em pleno horário de expediente.
“Aqui não há crimes porque a delegacia sabe trabalhar”, disse a mim um balofo e desgrenhado delegado, barba por fazer, terno em petição de miséria, um enferrujado revólver 38 sobre a mesa escorada em tijolos, para não desabar.
Já a delegacia de Itaguaí era um brinco. Reformada, com mobiliário novo, dependências limpas e até um computador moderno, o que era raridade na Polícia Civil fluminense.
Por que então se matava tanto em Itaguaí e nada em Paracambi? Naquela época, o governo estadual implantara a norma de remunerar com extras salariais os policiais que trabalhavam em delegacias e batalhões da PM nas áreas onde as estatísticas criminais eram reduzidas.
Quem me apontou a razão desse disparate foi o delegado de Itaguaí. Era um policial novo, bem vestido, educado. Não portava um três oitão, e sim uma moderna pistola Glock.
“Os policiais de Paracambi são bandidos”, disse ele, indignado. “Matam lá e jogam os cadáveres na nossa área. Assim, os registros são da nossa delegacia. Eles baixam os índices da criminalidade artificialmente e ainda ganham o abono. É muito difícil trabalhar com essa gentalha”, reclamou o delegado.
Uma situação parecida foi vivida em “O Fluminense” pelo colega William Oliveira, aqui citado na coluna anterior. O popular “4 em 1” (repórter, fotógrafo, motorista e papa-defunto) foi durante anos o faz-tudo da sucursal da Baixada do jornal.
William conta que em uma ocasião foi cobrir a notícia de que havia sido encontrado um cadáver no Rio Sarapuí, que corta Duque de Caxias e deságua na Baía de Guanabara ao lado da refinaria da Petrobras.
“Numa margem do rio ficavam os policiais de uma delegacia. Na outra, os policiais de outra delegacia. Quando o defunto chegava perto de uma margem, os policiais o empurravam em direção à outra. Ninguém queria ter o trabalho de fazer o registro de ocorrência. Teve uma hora que um cachorro arrancou a mão do presunto. Fiz a foto. O jornal não publicou, era muito forte a imagem”, lamenta o “4 em 1”, que agora, já aposentado, vem sendo chamado de “5 em 1”. Não me perguntem a razão. Quem sabe é o Turco (o jornalista Aissar Elias Jorge), companheiro daqueles tempos.
(Na semana que vem, contarei algumas das aventuras do motorista José Argemiro, o Mosquito, pai de Fábio Motta, brilhante fotojornalista brasileiro.)