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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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Cachorro, cobra e, agora, onça no caminho

oncagio

Já disse nessas Andanças: a pior coisa no caminho é a combinação de uma placa “Cuidado – cão feroz” sobre um portão… aberto! Vivi isso várias vezes. Pânico total. Em segundo lugar no troféu “Gelo na espinha”, o aviso “Oi, eu também estou aqui. Assinado: jararaca, surucucu, cascavel…”!

Cachorro e cobra são o terror do caminhante trilha afora. Mas, agora, não estão sozinhos. Um terceiro elemento sai das matas e assombra o mochileiro. Nunca vi, nem quero ver jamais. Mas que ele está farejando por perto e tirando o sono dos andarilhos, ah, isso está.

Não era a primeira vez que fazia o caminho de Dona Mariana, em Nova Friburgo, a Murinelli, em Sumidouro, duas cidades vizinhas que eram interligadas pelo trem até meio século atrás. Um trecho de 26 quilômetros, ida e volta, de rara beleza. Mas havia algo no ar além da saudade da maria fumaça.

Por ali, invariavelmente, encontrava outros caminhantes em busca da travessia dos três túneis escavados na pedra, joia rara daquele falecido ramal ferroviário. Mas, dessa vez, não vi ninguém. Nada, zero. Nem mesmo ciclistas, que sempre fazem um pedal por aquelas bandas.

Aproveitei a solidão. Cacei meia dúzia de cravos – peças que prendiam os trilhos de trem nos dormentes de madeira – ainda hoje encontrados no chão. Aventurei-me na cachoeira, admirei os túneis, andei devagar, fiz fotos. Em Murinelli, caí na real. Ou, talvez, no quem sabe imaginário do povo pacato daquelas bandas.

– O senhor está sozinho nesse caminho? Há muito tempo que ninguém se arrisca por aqui… – disse-me, com cara de espanto a dona do armazém.

– Arrisca, como assim? – Indaguei, com certo receio já franzindo a minha testa.

– Ué… Tem onça rondando a região, matou um homem em Sumidouro, tem atacado animais. Tem até vídeo no youtube…

Nem deixei a senhora terminar. Antes que o medo tomasse conta de cada célula de meu corpo, atarraxei bem o bastão de caminhada, que agora passaria a ser uma espécie de arma branca para minha eventual defesa. Ah, também tirei da mochila a chave de fenda que uso para desenterrar os cravos do chão. Parti de volta. Estaria eu com medo? Muito, muito mesmo.

Em apenas um quilômetro andado, balbuciando uma oração qualquer em busca de proteção divina, olhava marcas de ferradura de cavalo e achava que eram moldes perfeitos de pata de onça. Não, não eram. Claro que não. Mas quem domina o pensamento numa hora daquelas? Logo adiante, um bezerro morto no pasto. Juro: não estava ali quando passei na ida. Tensão a mil.

Andei forte, como nunca, fora de meu estilo. Nem vi a paisagem. A não ser quando uma árvore balançava e uma folha fazia barulho. Nessas horas, até o vento virava inimigo. O retorno, de 13 quilômetros, parecia uma eternidade. E era mesmo. Quando cheguei a Dona Mariana, sem ter visto sequer uma alma viva no percurso, entrei no armazém do Leonardo. As pernas doiam, as batatas estavam feito pedras, mas a sensação de estar (e continuar) vivo foi uma das mais prazerosas.

– Viu alguma onça? – perguntou-me, e eu apenas balancei a cabeça negativamente. – Deu sorte, deu sorte – repetiu ele.

No dia seguinte, refeito de tudo, fui andar pelas bandas de Lumiar, São Pedro da Serra, Galdinópolis… Outro lado, distante da região da véspera. Num determinado trecho, naquela manhã de céu azul e frio serrano, encontrei um senhor sentado à beira do caminho. Ufa, enfim uma alva viva. Cumprimentei, trocamos meia dúzia de palavras. Até que, ao me despedir, perguntei exatamente qual era o nome daquele lugar.

– Aqui é Toca da Onça!

Assim não dá. Real ou imaginário, o felino mexeu comigo. Ainda bem que já estou em Niterói de volta. São e salvo. Mas, confissão de medroso, vou dar um tempo nas montanhas.  Vai que…

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