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Lupulinário

Por Sônia Apolinário

Sônia Apolinário é jornalista tendo trabalhado nos principais jornais do país, sempre na área de Cultura. Também beer sommelière, quando o assunto é cerveja e afins, ela se transforma na Lupulinário.
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Bar da Laura: uma história de mães e filhos

bar da laura 2

Levada pela curiosidade de experimentar um petisco do Comida di Buteco, (evento que terminou no último dia 7), fui ao Bar da Laura. O estabelecimento participa do concurso desde que Niterói passou a fazer parte do “cardápio”, ou seja, 2020. E está, há anos, no mesmo endereço, no Centro da cidade, na Rua Visconde do Uruguai, 183.

Mais do que degustar um delicioso petisco, me deparei com uma linda história que envolve mães, filhos e muito, muito trabalho na luta pela sobrevivência. De quebra, “descobri” que o petisco é praticamente um resumo dessa história. Então, é claro que eu tinha que conta-la, ainda mais agora, que o Dia das Mães está chegando.

Era uma vez…

… em Guaraciaba do Norte, no Ceará, lugarejo na divisa com o Piaui. Laura estava na barriga da sua mãe, Maria Neita Nobre, quando o pai saiu de casa e nunca mais voltou. Ela já tinha um irmão, José Maria, então com 5 anos.

Para sustentar a família, a mãe passou a trabalhar na lavoura. Quando José fez 15 anos, ele falsificou um documento para ficar três anos mais velho. Com esse documento, viajou para o Rio de Janeiro sozinho para trabalhar como zelador em um prédio em Copacabana e ajudar a sustentar a família.

Religiosamente, ele mandava algum dinheiro para a mãe. Fazia isso por intermédio do único morador da cidade cearense que tinha uma conta bancária. Foram dez anos sem que ele voltasse para casa. Até que um dia, viajou para a sua cidade natal, sem avisar à família, para fazer uma surpresa.

– Quando ele chegou, ele parou em um bar, antes de ir para casa. Mas a notícia que ele estava na cidade correu. Minha mãe estava na janela quando contaram. Ela, simplesmente, saiu correndo pulando a janela. Se machucou toda e foi para o hospital e minha avó desmaiou quando recebeu a notícia da volta do filho. A família se reencontrou no hospital – contou Diego, filho de Laura.

Desde os 11 anos, ele ajuda sua mãe no trabalho. Sorridente e falante, ele bem que tenta fazer Laura contar sua história, mas acaba tomando à frente. O sorriso não some nem quando ele conta que seu pai também largou sua mãe – mas ele já tinha nascido, quando isso aconteceu.

Rio x Niterói

José Maria levou a mãe e a irmã para morar no Rio de Janeiro, mas não ficaram todos juntos. Ele continuou em Copacabana e Laura, foi para São Gonçalo, onde passou a trabalhar com balconista de lanchonete. Foi no boêmio bairro carioca da Lapa que ela conheceu o pai de Diego.

Uma proposta de trabalho levou Laura para Niterói. Ela foi convidada para gerenciar o restaurante Flor da Rodoviária, distante uma quadra do bar que um dia seria seu. Trabalhou lá por quatro anos, até que o estabelecimento fechou. Diego tinha, então, 10 anos.

– Minha mãe já conhecia o Max, nessa época. Ele montou um bar para ela, também perto de onde estamos hoje. Se chamava Stop Bar – conta Diego.

Agora, é Laura quem conta:

– Eu tive que aprender a cozinhar e administrar um bar. No restaurante, eu não trabalhava à noite, mas no bar, tive que encarar. No início, achavam que era um bar de puta porque só tinha mulher trabalhando. Mas não fiquei com medo. Eu tinha um filho para criar, tinha que enfrentar tudo aquilo. Eu botei o negócio para frente. Quando viram que eu trabalhava sério, os outros comerciantes vizinhos não só me respeitaram como me apoiaram. Um deles só fechava quando eu fechava também.

Foi Diego quem botou pilha para que o Stop Bar virasse Bar da Laura. Juntos, paqueraram por um tempo uma loja próxima, toda destruída. Um dia, Laura tomou coragem e consultou o irmão sobre a possibilidade de alugar a loja. Ele deu sinal verde, arregaçou as mangas e, junto com alguns amigos, reformou o local.

Com orgulho Laura conta que, com seis meses de funcionamento, quitou a dívida da obra. Foi em pleno Réveillon, na virada de 2011 para 2012, que o novo Bar da Laura foi inaugurado. Quem também trabalha lá é sua mãe – dona Maria Neita não quis saber de papo, muito menos de tirar fotos. Completam o time a cozinheira Vandineia, mais conhecida como Dinha, e sua filha Natália.

Dinha trabalha com Laura há 8 anos. É a única pessoa que conhece a receita de um hit da casa: a farofa, um segredo que Laura não contou nem para Diego.

O bar funciona de segunda a sábado, das 12h à meia noite. Às 9h, o fogão é aceso. O cardápio tem 20 pratos e tudo pode ser servido a qualquer hora do dia. E todos os dias tem rabada. Sexta-feira é dia de feijoada. Aliás, Diego, que aprendeu a cozinhar com a mãe, disse que é a rabada e a carne assada o que ele mais gosta de preparar (e comer). Já Laura gosta de tudo que é feito com frango.

Como foi durante a pandemia?

– Eu tinha acabado de comprar uma moto e foi o que nos salvou porque passamos a fazer entregas – conta Laura, que tem 50 anos.

A família Nobre mora na parte de cima do bar. Aos 26 anos, Diego concilia o trabalho com a faculdade de Relações Internacionais, no La Salle. Ele e a mãe sonham, agora, em ampliar o salão do estabelecimento com uma parte da loja que atualmente é utilizada como depósito.

Laura reconhece que o movimento no Centro de Niterói caiu, nos últimos anos, ao mesmo tempo em que a violência aumentou. No seu entorno, várias lojas estão fechadas. Ela adoraria que todas voltassem a funcionar.

Mas afinal, o que o petisco do Comida di Buteco tem a ver com essa história?

O petisco de chamava  “Tô Te Esperando na Janela”, que remete à volta do irmão, depois de dez anos sem ver a família. O bolinho de peito bovino assado com alho-poró, dona Maria Neita fazia em casa. Laura acrescentou muçarela no recheio e criou o molho de coentro como acompanhamento.

– Tudo no bar tem um pouquinho da minha mãe e da nossa história – conta Diego.

– Sinto muito amor por Niterói pelo respeito e carinho que tiveram por mim e minha família – afirma Laura.

 

Por intermédio de Laura e sua história, a coluna deseja um feliz Dia das Mães para todas as mães do mundo.

 

 

 

 

 

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