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Sergio Torres

Sergio Torres trabalhou nos três maiores jornais do país ao longo de 35 anos. Mas se interessa mesmo é pelas notícias locais de Niterói, onde nasceu e sempre viveu. 
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A destruição do campo santo

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Velório de Garrincha. Reprodução da internet

Um dos episódios mais dantescos que vivenciei em minha trajetória como repórter de “O Fluminense” aconteceu em Duque de Caxias, populosa cidade da Baixada Fluminense. Era a tarde de 12 de setembro de 1984. Fazia um calor absurdo em meio aos túmulos do cemitério do Corte 8, onde estava sendo enterrada Jurema, a primeira mulher do craque Roberto Dinamite.

Carinhosamente chamada pelos torcedores de Cabocla Jurema, ela havia morrido na véspera, vítima de graves problemas renais. Para o enterro, apesar de o casal morar na Ilha do Governador (Zona Norte carioca), a família escolhera aquele humilde campo santo nos ermos caxienses. Roberto nascera no município.

A confusão começou cedo. Aos milhares, a multidão tomou conta do cemitério, não dando espaço para a passagem da família. Para conseguir chegar ao túmulo, Roberto teve que percorrer uma espécie de corredor improvisado pelos colegas do elenco vascaíno.

Lembro-me dos mais fortes, como o goleiro Acácio e o zagueiro Ivan, enfrentando a turba para que o craque pudesse se despedir da amada companheira.

Naquele tumulto infernal, em meio a rabos de arraia, pescoções e grossa pancadaria, Roberto teve o cordão de ouro arrancado por um bandido infiltrado. Pior, como lembra meu colega de cobertura, o querido William Oliveira. “Bateram até a carteira do Roberto!”, recorda ele, que teve a camisa arrancada e feita em pedaços no empurra-empurra. Sua foto sobre uma laje, de máquina em punho e descamisado, saiu na capa dos principais jornais do país.

Ao final do enterro, o cemitério era terra arrasada. Tudo estava destruído. As tampas dos túmulos haviam se rompido por não aguentar o peso das pessoas sobre elas. Fotógrafos caíram dentro das covas, misturando-se a restos de cadáveres e esqueletos.

William tinha experiência no assunto. Um ano antes ele havia estado no enterro de Mané Garrincha, em Pau Grande, distrito de Magé. William tem uma história interessante no jornalismo. Começou como motorista de “O Fluminense”. Interessado, logo virou fotógrafo. Arguto observador, também assumiu a condição de repórter, pois sabia escrever. Era o popular “3 em 1” (repórter, fotógrafo e motorista).
Com a sucessão de enterros caóticos que cobria, William passou a ser chamado jocosamente pelos colegas de “4 em 1” (repórter, fotógrafo, motorista e papa-defunto).

Ele mesmo conta o que viu em Pau Grande naquele dia terrível.

“Cheguei cedo para pegar lugar junto da cova do Mané. Foi a minha sorte. Sinceramente, quando olhei para a entrada do cemitério, do alto de um túmulo, parecia aquele imagem da barragem arrebentando. Era uma quantidade incrível de pessoas em correria para se despedir do ídolo. Muitos fotógrafos não conseguiram entrar. Salvei muitos empregos porque ajudei os colegas com as fotos que fiz”, recorda o “4 em 1”.

(Na próxima coluna, contarei mais histórias de William, que flagrou policiais empurrando defuntos para as margens opostas do rio Sarapuí, pois não queriam registrar os crimes nas delegacias em que trabalhavam.)

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