Não se pode negar que, com o fortalecimento das mídias sociais e o advento da internet, principalmente em tempos de pandemia, benefícios consideráveis foram ofertados ao indivíduo, propiciando uma maior interação tecnológica. Em uma velocidade de crescimento quase surreal, estamos cada vez mais próximos do outro, mesmo que seja pelas telas.
Além disso, as informações do mundo inteiro, em tempo real e na velocidade da luz, estão a um click.
Novos entretenimentos, milhares de cursos on-line, entre outras inúmeras possibilidades virtuais, fazem parte do dia-a-dia do ser humano.
Mas nem tudo são flores. O excesso de exposição aliado a uma latente necessidade de pertencimento, movimentado por uma explosão de temas sensíveis, no que diz respeito ao cunho social, aqueceram o caldeirão e promoveram a famosa cultura do cancelamento ou o chamado linchamento virtual.
A cultura do cancelamento atribui às pessoas uma verdadeira autoridade para julgar e apontar dedos ao outro. Ao pé da letra, a etimologia da palavra “cancelar” remete ao verbo inutilizar, banir.
Mas quem nos dá esse direito? Onde está escrito que podemos inutilizar o outro? De alguma forma, estamos reduzindo a vítima a um objeto, suprimindo a fala e a expressão pessoal.
Virtualmente, provocando essa exposição insana, podemos classificar a cultura do cancelamento como um tipo de violência psicológica dos tempos modernos, já que em função da intolerância e criticidade do assunto, o cancelado pode desenvolver sintomas psicológicos moderados ou graves, como: depressão, fobias, pânicos, baixa autoestima, complexo de inferioridade e, conforme a gravidade do fato, desejos suicidas.
Questionar ou destruir a reputação de uma pessoa é muito sério. A mensagem, muitas vezes, passada com os ataques virtuais é que o outro é “desnecessário”, assim como uma senha ou uma assinatura de revista quando cancelada.
A modernidade tecnológica incluiu essa consequência de cancelamento, em momentos nos quais contrariamos as preferências e o posicionamento de uma maioria.
Psicanaliticamente falando, é uma forma de justiça narcísica, feita a partir do intelecto de uma massa vingativa, acarretando consequências psíquicas relevantes na vida de uma pessoa, o que pode comprometer as construções mentais e interferir no “modus operandi” de suas relações interpessoais.
De forma mais clara, temos de um lado o “cancelador” que ativa suas sensações de prazer inconsciente ao julgar com requintes de perversidade e do outro o “cancelado” que amarga a desconstrução da própria imagem e da credibilidade através dos apontamentos, sendo banido da vitrine virtual, com grande repercussão na vida pessoal e profissional.
Fato é que o linchamento público, de uma personalidade ou uma pessoa comum, dá ao opressor ares de superioridade moral, gerando a falsa impressão de que ele está sempre correto, que não erra nunca e que, por isso tem total autoridade para acusar, julgar e classificar o outro como um ser irrelevante, negando sua pertinência e eliminando a sua força representativa no meio social em que vive.
Inevitavelmente, evidencia-se o surgimento de transtornos e sintomas psicológicos irreversíveis decorrentes deste cancelamento, pois dentro deste massacre virtual, temos a exposição desse ser humano oprimido e julgado que se sente excluído e acuado, que ao ser desaprovado “injustamente” ou de forma exposta, pode desenvolver transtornos depressivos severos e sintomas que precisam ser acolhidos por um profissional de saúde mental para auxiliar no resgate da fala e da autoestima.
A grande verdade é que, por sermos seres com necessidades constantes de pertencimento, estamos sempre em busca do acolhimento e cuidado, no sentido da identificação. Isso é inerente ao ser humano, mas quando essa necessidade é afetada, principalmente pelos julgamentos, descortinamos o ser reprimido e depressivo atacado pelo ódio.
Sentimos na pele o abandono e o desprezo.
E não há nada de benéfico nisso. Pelo contrário, essa busca insana por perfeição dificulta o gerenciamento de nossas emoções, potencializando a frustração, através do ataque coletivo carregado pelo ego e pelo senso crítico.
Enfim, relações tóxicas geradas por uma modernidade mal administrada, que não leva em conta o ser individualizado e não observa os limites de suas atuações. Mentes rancorosas, magoadas e ressentidas, cobertas por emoções negativas e desgastantes em detrimento ao amor, ao perdão e a empatia.
Um solo fértil para o surgimento de doenças psíquicas, como: transtornos de ansiedade generalizada, depressão, bipolaridades, transtornos de pânicos e fobias diversas. Um verdadeiro balaio de desequilíbrios mentais, afetando tanto quem cancela, quanto quem é cancelado, em meio ao tribunal da internet.
Uma caça às bruxas generalizada que pode, como consequência, afetar desastrosamente, a vida profissional e pessoal de uma pessoa, escalando sintomas psíquicos graves que precisam ser controlados com o objetivo de se evitar maiores danos ao psicológico.
Portanto, a ajuda de um profissional de saúde mental é imprescindível, uma vez que, através de ferramentas específicas, é possível ressignificar a frustração e os medos, blindando o indivíduo e elevando sua autoestima, para que este consiga gerenciar os sentimentos de rejeição, as culpas, os julgamentos, além de favorecer a percepção real de que o mundo sempre irá apresentar desafios, afinal a vida fora da vitrine virtual não é um céu de brigadeiros.