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Luiz Cláudio Latgé

Jornalista, documentarista, cronista, atuou na TV Globo por 30 anos, como repórter, editor, diretor. Consultor em estratégia de comunicação, mora em Niterói e costuma ser visto no Mercado de São Pedro.
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A cidade de Seu Antônio

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Seu Antônio: entre Niterói e Portugal. Foto: arquivo da família

O aviso na porta antecipava a gravidade. O Antônio do Bacalhau não abre hoje. A rua vazia. Tem dia marcado para isto acontecer: às segundas, para descanso, e no inverno, para férias. Há quanto tempo é assim?  30, 40 anos? Seu Antônio faz parte da vida da gente. Talvez seja a melhor expressão de Niterói, além do mar que já estava antes e que o trouxe de Portugal.

A gente pode contar nos dedos o que a gente mais gosta em Niterói: Itacoatiara, as praias, o Parque da Cidade, os fortes, a Boa Viagem, o MAC, o Campo de São Bento, o italianinho… e Seu Antônio.  É claro que temos A Gruta de Santo Antônio, da dona Henriqueta, e o Caneco do Mário, também portugueses e passados dos 80 anos. Mas o Seu Antônio se tornou mais que um restaurante, era um ponto de encontro, a meio caminho entre a cidade e a praia, a céu aberto, como gostamos, para entrar de bermuda ou canga e com areia nos pés.

Um lugar onde nos encontramos e nos reconhecemos, moradores de Niterói. Na comida, no chopp gelado,  na poesia de Pessoa e na utopia de Darcy Ribeiro estampadas nas paredes, na conversa à mesa. Um raro espaço de conciliação.

Poderia esperar horas na fila para ir num lugar como este.

Muito prazer, Antônio

Antônio de Azevedo Alves tinha 82 anos. Português de Trás-os-Montes, chegou ao Brasil em 1958.  Trabalhou num botequim no Centro do Rio e depois abriu seu primeiro negócio, a Lanchonete Ibéria, no Rink. Em 64, se estabeleceu em Santa Rosa, na rua João Pessoa com a Dr. Paulo César.  Dez anos depois, abriu mais duas casas na rua São Lourenço.  Um tiro o levou para o Cafubá, com a mulher, Shirley, apostando numa vida nova, depois de escapar da morte ao ser baleado no peito numa tentativa de assalto. Era 1978. Abandonou tudo e se mudou com a família para a então remota localidade à caminho da Região Oceânica.  Trocou os bares por uma pequena quitanda, na frente da casa, e uma pensão, nos fundos, que servia apenas “pratos feitos”, o popular “PF”, para trabalhadores da construção civil. Seu Antônio do Bacalhau abriu as portas em 1985,  há 38 anos.

Quem frequenta o lugar há muito tempo se acostumou a ver seu Antônio conversando animadamente nas mesas.  Mas faz algum tempo já não aparecia tanto. Seu filho Fernando e a nora Andréa Pires tocam o restaurante.

Mas, mesmo quem não teve a chance de sentar à mesa com seu Antônio e de ouvir sua risada, de certa forma o conhecia bem. Seu Antônio se apresentava na entrada do restaurante, no mural repleto fotografias. Nas poesias de Fernando Pessoa. “Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal”. Na utopia de Brizola e Darcy Ribeiro. Está lá escrito: “Fracassei em tudo o que tentei na vida. Tentei alfabetizar as crianças brasileiras, não consegui. Tentei salvar os índios, não consegui (…) Eu detestaria estar no lugar de quem me venceu.” Que melhor apresentação?

Seu Antônio entendia que a melhor forma de mudar o mundo estava na poesia, na educação e na política. E, claro, numa boa conversa. De preferência diante de uma boa mesa e muita cerveja. Não há notícias de embates políticos numa casa que pegou parte da ditadura e atravessou o governo Bolsonaro.

Ah, a comida do Antônio

Percebeu que não se falou ainda de comida!?

E a comida do Seu Antônio é insuperável. Aqui é preciso começar pelo começo, a entrada. Bolinho de bacalhau, caldinho de feijão, iscas de peixe. E o melhor chopp da cidade – sem correr o risco de polemizar ou desagradar a ninguém. Tirado pelo Ademar, que se aposentou, mas fez escola.

Agora, sim, a comida. Bacalhau dourado, à portuguesa, às natas, difícil escolher um preferido. Arroz de camarão. Polvo com arroz de brócolis, Camarão no coco, na moranga, no abacaxi, camarão com catupiry, moqueca, peixe frito, rabada, feijão com lombo, feijoada… Fiel às origens, nunca deixou de oferecer no cardápio um prato que servia aos trabalhadores da construção: carne assada, com arroz, feijão e macarrão…

Tão bom que não importava a espera, a fila. Aliás, o segundo melhor lugar para comer por aqui é o Bar da Fila, do outro lado da calçada. Duas horas para conseguir uma mesa, e a gente voltava na semana seguinte. Nem a Casa do Porco, novidade estrelada de SP, tem tanta espera. E há tanto tempo. E apesar das seguidas ampliações da casa, hoje pelo menos quatro vezes maior do que quando começou no Cafubá.

A mesa ainda está posta. Faltam os doces portugueses. Pastel de Belém, Dom Rodrigo, Barriga de Freira. E para não descuidar da origem da casa, Licor de Amendoas Amargas com o café.

Agora, sim, dá para ir para casa. Obrigado, seu Antônio. Muito obrigado!

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