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Foram 17 meses de pandemia, com atividades restritas, e Niterói começa, enfim, a olhar para o futuro. Conforme a vacinação avança, os eventos retornam à rotina dos moradores. Basta acompanhar a agenda cultural da cidade: a retomada já começou. Agora, a missão da Fundação de Artes de Niterói (FAN) é dar vazão à demanda reprimida dos artistas locais. E não vai faltar trabalho para Marcos Sabino, presidente da fundação. Assim como não faltam ideias e projetos.
À frente da FAN pela segunda vez, Sabino é um dos grandes nomes da música nacional e uma importante figura da MPB. O cantor, compositor e produtor musical também foi presidente da fundação no governo do ex-prefeito Jorge Roberto Silveira, entre 2009 e 2012. Com 62 anos de idade e 41 anos de carreira, Sabino conta ao A Seguir sobre os projetos para os próximos meses. Um objetivo da atual gestão é modernizar as ferramentas disponíveis aos artistas locais.
— Uma inovação do mercado, esse cartão pode ser vendido em shows e eventos do artista, substituindo o CD. Passamos pelo vinil, pelo CD e agora vamos entrar com força total na era digital — explicou.
Sabino destrincha um pouco a proposta, que tem como objetivo estimular a produção por meio das ferramentas digitais, em diálogo com as tendências da indústria da música, apontando para o futuro, mas sem perder a referência da tradição.
Foto: Rafael Caldeira
Reformulação do portal Cultura Niterói
O projeto do novo site celebra os 55 anos da FAN no ano que vem e a consolida como uma das mais antigas fundações de arte do país. O objetivo é oferecer ao público um espaço em que ele não tenha mais o conteúdo disperso e fragmentado. Essa é uma das apostas do órgão, que está no momento estruturando um projeto cuja finalidade é fornecer oportunidades a artistas, que tiveram pouco recursos, oferecendo as ferramentas e o suporte necessário para a divulgação dos seus trabalhos.
– O artista é tímido por natureza. Tem essa dicotomia. A gente tem que incentivar que ele apareça. Queremos criar oportunidades para esses artistas que representam Niterói, que estão começando a traçar suas carreiras. Às vezes o artista tem um single, um EP, ou um esboço de um projeto, mas ainda não teve as ferramentas necessárias para um lançamento.
Sabino afirma que, com a pandemia, muitos artistas entraram em prejuízo, com a impossibilidade de fazer show e tiveram que vender seus instrumentos para se sustentar. O presidente da FAN diz que é urgente pensar em políticas públicas, que vão na contramão do governo federal.
A Seguir: Niterói: Como você descreveria a vocação cultural de Niterói?
Marcos Sabino: Eu acho que a cultura em Niterói sempre foi muito viva e latente porque ainda quando era considerada uma cidade pequena, antes mesmo da criação ponte Rio-Niterói, a cidade era uma referência para todo o interior do estado. As pessoas vinham para Niterói para estudar. Pessoas de todos os lugares. Tanto do estado do Rio, como de Minas, do Espírito Santo. Isso por causa da UFF, que sempre foi uma universidade de referência. Niterói sempre exerceu uma importância cultural e educacional para as pessoas. As famílias mandavam as pessoas para cá para fazer vestibular, e a cidade foi absorvendo essa cultura de vários locais, da zona da mata de Minas, das cidades fronteiras com Espírito Santo, do interior, do noroeste, do norte. Essas regiões têm uma cultura muito importante, mais voltada para a coisa interiorana, do bumba meu boi, das cirandas… Niterói foi convivendo com isso.
E teve a década de 60, quando Niterói possuía, talvez, o segundo mais importante polo da bossa nova, o bar Petit Paris. Eram cenas como Agostinho dos Santos com Milton Nascimento tocando violão em frente à praia. O Sérgio Mendes também circulou muito pelo bar e hoje é um dos maiores músicos do mundo, de projeção internacional. O Marcos Valle também frequentava o espaço. Enfim, grandes nomes. O sambista Ismael Silva, um dos percursores do samba, também teve passagem por lá. Niterói sempre teve esse link muito forte com a música.
Os movimentos culturais dos anos 70 foram muito importantes. O “Niterói vai sumir”, por exemplo. A gente batalhava por um lugar ao sol. Não queria atravessar a ponte, mas sim que as coisas viessem até aqui. A gente passou a ter mais consciência. A Cantareira também sempre foi um polo de encontro da cultura de todo o país.
Niterói é uma cidade de médio porte, mas que mantém essa característica interiorana. A gente fica muito interessado em ver o que o outro está fazendo. Niterói tem essa efervescência cultural, que é natural da cidade, que faz parte do inconsciente coletivo. Tem um ditado que diz que quem vem para Niterói deveria pagar o couvert artístico no lugar do pedágio. Quantos centros culturais, ateliês enrustidos a cidade têm. Sem contar os estúdios caseiros escondidos…
E pegando carona no que você falou sobre valorizar a cena local, a cidade está com um festival muito interessante que tem esse propósito. O “Pras bandas de cá”, na sala Nelson Pereira dos Santos. Esse festival desemboca quase praticamente no aniversário da cidade, que terá uma série de atrações. O que o público pode esperar?
Eu apoio muito essa iniciativa de incentivar artistas locais. É a abertura de um espaço necessário. Ainda mais agora com a retomada da vida. Eu estou muito a fim de que a gente volte ao velho normal. O novo normal é necessário. Mas o que a gente está querendo é sentar nos bares, ouvir música, conversar, voltar àquele clima anterior à pandemia. E acho que a gente caminha para isso.
Para o aniversário da cidade, a programação está extensa e diversa, mas tudo com muito controle, por conta da Covid. Ainda existem restrições, uso de máscara, limitação de capacidade, mas é importante que a gente tenha essa programação.
A gente tem uma demanda armazenada de todo esse tempo de pandemia. Imagina só: quantas músicas foram compostas, quantos quadros foram pintados, quantas poesias foram declamadas e registradas de alguma forma, com as pessoas dentro de casa tentando se ocupar. Eu mesmo fiz um monte de canções. Essa possibilidade que a internet nos mostrou com a pandemia: poder trabalhar à distância com as pessoas. Acho que agora isso tudo vai aflorar. Essa quantidade de criação será mostrada. O aniversário da cidade e a programação para o Natal têm muito essa perspectiva. Vamos ter uma programação muita extensa em várias regiões.
Para o aniversário da cidade, vamos ter festival de blues e jazz, com apresentações inéditas e internacionais. Já em dezembro, a programação é muito voltada para os parques, como o Campo de São Bento, Horto do Fonseca, Palmir Silva. Parques no Caramujo, Engenhoca, Região Oceânica. É o “Natal Esperança de Niterói”. Vamos ter apresentação do Dalto, com canções natalinas, do João Carlos Martins, com a Orquestra da Grota, no Campo de São Bento…
Foto: Rafael Caldeira
A Niterói Livros também está com alguns projetos na rua, como o lançamento de um aplicativo. Poderia falar um pouco sobre ele?
Nós resgatamos um catálogo e vamos lançar um aplicativo, onde vamos disponibilizar os livros em e-book, vários livros em domínio público e alguns livros que a gente pode negociar o direito autoral por um tempo e tornar acessível para as pessoas. Os escritores da cidade, que têm seus livros, também podem colocá-los no aplicativo. Vai ser uma entrega muito legal. As pessoas não conhecem o acervo, de modo geral. A Niterói Livros tem 28 anos e 62 livros publicados.
Estamos iniciando um ciclo da Niterói Livros, que consiste em abrir mais para os escritores, para os poetas. Antigamente a Niterói Livros tinha como objetivo a história da cidade, mas isso já foi contado. Agora a gente precisa oferecer esses espaços para os artistas niteroienses da literatura. Vamos publicar contos, compilações de poesia, ficção, romance… O aplicativo vai ser disponibilizado no ano que vem.
Fale um pouco do Solar de Jambeiro, um dos maiores centros culturais de Niterói. Como será a programação dos 20 anos?
É um ano de muitas comemorações. A Niterói Discos faz 30 anos. O Solar do Jambeiro faz 20 anos… Eu, Byafra e a galera da nossa geração tínhamos um apoio muito diferente do que temos hoje em dia. Primeiro que a cidade só tinha um teatro, o Leopoldo Fróes. Na época, não tinha a FAN. Eles davam o espaço para a gente fazer nossos shows, mas não davam luz, som, não davam estrutura. A divulgação era nós que fazíamos também. A gente colava cartaz no poste. Era tudo muito espontâneo. Muito diferente. A gente fazia e os movimentos iam surgindo. A gente só queria que as coisas acontecessem.
Agora a gente quer retomar isso, voltar um pouco com esse clima com o “Sarau das águas escondidas”. Nós estamos convidando vários artistas, com participação de artistas de outros estados. Está tomando uma proporção grande esse sarau. A primeira edição será no Solar do Jambeiro, e a gente pretende levar o sarau para vários lugares, para essas águas escondidas emergirem.
O artista é tímido por natureza. Tem essa dicotomia. A gente tem que incentivar que ele apareça. Esses saraus têm como intuito oferecer esse espaço. Vamos gravar no dia 20 de novembro e lançar nas redes, na sequência. É um palco para os artistas de arte espontânea, arte livre.
Em 2011 e 2012 nós fizemos duas edições de um projeto inspirado no “Fête de la Musique”, que é basicamente um dia de contemplação à música. Eu fui à França e conheci o produtor desse evento. Ele me contou uma história que me fez ter vontade de fazer isso em Niterói. Nós trouxemos a festa da música para cá. Colocamos 16 palcos espalhados pela cidade e as pessoas participavam espontaneamente. Foi um barato. O sarau é mais abrangente. Ele tem poesia, música, leitura de textos. Ele pode ser qualquer coisa e é isso que queremos promover.
Sala Nelson Pereira dos Santos. Foto: Werner Neto
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