A possível mudança do nome da rua Moreira César para rua Ator Paulo Gustavo tem gerado debate nas redes sociais. Enquanto parte de população de Niterói considera a mudança legítima tendo em vista o legado que o ator deixou para a cidade, outros chamam a atenção para os transtornos burocráticos que envolvem a mudança do nome, especialmente por se tratar de uma referência do comércio local. Ainda assim, a consulta pública realizada pela Prefeitura revelou que a adesão é alta: 90% da população de Niterói ouvida é a favor da mudança. Mais de 30 mil pessoas participaram da votação, que durou três dias.
No entanto, para prosseguir, é necessária uma alteração na lei municipal n° 2.160, que proíbe modificar o nome de qualquer rua que exista há mais de 20 anos, além da aprovação da Câmara. Nesta segunda (10), durante transmissão do gabinete de crise, o Prefeito de Niterói, Axel Grael, anunciou que a Prefeitura vai encaminhar uma mensagem à Câmara para que seja feita a troca do nome em homenagem ao ator e humorista que morreu por complicações em decorrência da Covid.
Perguntada sobre a mudança e a possibilidade de um “apagamento da história”, a especialista da UFF em História e Memória da Cidade, Ana Maria Mauad, diz que a modificação do nome seria positiva, já que marca a superação de um passado violento. Ela afirma que Paulo Gustavo representa a esperança, uma sociedade mais inclusiva e que ele “uniu o país pelo sorriso”, enquanto Moreira César representa a violência personificada de um miliciano que tomou o poder.
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– Em termos da trajetória histórica, o Coronel Moreira César já estava consolidado no exército. Ele vai para Canudos para sua terceira expedição e morre aos 46 anos. Nesse momento, já havia uma confirmação da República da Espada, da recente proclamada República brasileira, resultado de um golpe militar. Todo o processo de consolidação do perfil republicano, a partir das diretrizes ideológicas dos militares que se consolidam como um quarto poder nesse momento, é pelas armas, pela agressão. E Moreira César vai para Canudos com a missão de acabar com o conflito frente a vários outros contingentes do exército de várias regiões do Brasil – explica.
Alusão aos tempos atuais
A especialista explica os efeitos da morte de Moreira César, em Canudos e faz uma alusão com os tempos atuais: a quarta expedição a Canudos recrutou um contingente de polícia e exército como se fosse uma guerra de vingança. Ela faz um comparativo, levando em consideração à postura em relação aos atuais territórios apartados da cidade do Rio de Janeiro que replicam a ideia de que os guetos têm que ser trucidados. “O Moreira César tinha esse perfil”, afirmou.
Quanto ao efeito da mudança para os comerciantes, Ana diz que não é muito expressivo, embora a rua seja de muito movimento e abarque uma grande quantidade de estabelecimentos comerciais. Ela relembra outras ruas que já mudaram de nome, igualmente famosas, como a rua Montenegro, em Ipanema, que se tornou rua Vinícius de Moraes, uma homenagem ao músico e poeta.
– Hoje ninguém nem lembra que a rua se chamava Montenegro, que foi outro militar. É importante a gente ver que pode existir um momento de transição. Você colocar na conta que é a antiga rua Moreira César, até que ela vai sendo incorporada pela memória afetiva da cidade. Niterói tem uma característica de definir uma memória urbana bastante capilarizada, como o quebra-quebra das barcas, o próprio incêndio do Gran Circus de Niterói. Essas histórias vão ficando na memória urbana que se constroem em torno da comunidade que se projetou recentemente no Brasil justamente por congregar, através da figura do Paulo Gustavo, um Brasil que quer dar certo – completou.
Consolidação da identidade cultural
A pesquisadora diz que a mudança do nome da rua pode ser definida como um protesto, sobretudo, em uma cidade que está se caracterizando cada vez mais por ser progressista, embora ainda com muita divergência social.
– Niterói vem se caracterizando por fomentar a cultura, os espaços culturais. O Caminho Niemeyer desembocando na rua Ator Paulo Gustavo vai reafirmar essa identidade cultural progressista de Niterói. Acho que a mudança vai ao encontro da busca de uma sociedade mais igualitária – concluiu.
*Ana Maria Mauad é doutora em História Social pela Universidade Federal Fluminense, com pós-doutorado no Museu Paulista da USP. Atualmente é professora titular do Departamento de História e pesquisadora do Laboratório de História Oral e Imagem da UFF, desde 1992, do CNPq desde 1996 e Cientista do Nosso Estado Faperj desde 2013.
Ana dedica-se ao ensino de teoria e metodologia da história. É autora do livro “Poses e Flagrantes: ensaios sobre História e fotografias” (Eduff, 2008) e organizadora da obra “Fotograficamente Rio, a cidade e seus temas” (FAPERJ/PPGH/LABHOI, 2016) de vários artigos e capítulos de livros sobre temas ligados à História Oral, História Pública, História visual, História cultural e História da Memória.
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