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A expectativa de uma vacina contra a Covid que permita fazer a vida voltar ao normal mobiliza todo o mundo – e, mesmo com todas as dúvidas que ainda cercam o tema, os maiores especialistas do mundo parecem convergir para uma certeza: os riscos da doença, mesmo com uma vacina, vão se estender por todo o ano que vem e entrar por 2022 e, da mesma forma, os efeitos da pandemia na economia mundial ainda vão durar por muito tempo. O professor Rômulo Paes de Sousa, da Fiocruz, integrante e atual coordenador do Comitê Científico de assessoramento da Prefeitura de Niterói, é um dos que trabalham com esta perspectiva.
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– Houve uma certa crença de que o pior passou e agora a vida volta ao normal. Que vai ter uma vacina e as atividades vão voltar. Mas o quadro não está dado. Enquanto houver a crise sanitária, a crise econômica se prolonga – sustenta.
O epidemiologista conversou com o A Seguir: Niterói no dia seguinte ao anúncio do Prefeito Rodrigo Neves da volta às aulas no Ensino médio, a partir da próxima segunda-feira, 21. O Comitê Científico desaconselhou a reabertura das escolas. Mas o Prefeito decidiu antecipar o retorno, antes da cidade atingir as metas de controle da doença previstas no decreto de Transição para o Novo Normal. O professor entende que esta é uma discussão que divide a comunidade científica. Lamenta apenas o uso político da questão.” Todo mundo parece falar em nome da Ciência – mesmo quem nega a Ciência.” Ele entende que o debate é produtivo, desde que baseado em ideias, e “de boa-fé”.
Covid-19: Volta às aulas será teste, e escolas podem voltar a fechar se houver contaminação, diz prefeitura.
-É uma discussão ampla, difícil, porque carrega várias questões. Por exemplo, voltar quando e como? No mundo começa a haver um retorno das crianças às escolas. Mas não sem problemas. Houve problemas nos Estados Unidos e, agora, em Israel, está se adotando um novo lockdown. Mas a Europa está voltando… A questão é qual o efeito sobre todas as pessoas envolvidas, as crianças, os professores, os pais, a comunidade?
A escola é um lugar de aprendizado e socialização. Há alguma insegurança sobre a capacidade de manter o isolamento e o respeito às medidas de biossegurança – explica.
A Seguir: Como foi a decisão de voltar às aulas?
Professor Rômulo Paes de Souza: No Comitê Científico nós fizemos uma nota técnica desaconselhando a volta às aulas. Mas a posição do Comitê é consultiva. O Comitê não tem poder de decisão. O Prefeito consulta o Comitê mas a decisão, no final, é do gestor. Nós entendemos que o momento ainda apresenta algum risco, porque o vírus circula na cidade. Mas há grupos importantes de cientistas que defendem a necessidade da volta às aulas. Se a composição do Comitê fosse outra, talvez a avaliação pudesse até ser diferente. No caso de Niterói, a cidade adotou medidas de isolamento e diminuiu o número de casos, isso é positivo; mas o número de pessoas suscetíveis ao contágio ainda é muito alto. Poderia ter esperado um pouco mais.
Como deve ser a volta às aulas?
A Prefeitura decidiu fazer um teste, com a volta do Ensino Médio. Se não houver controle, volta a fechar. Niterói tem crédito, porque tem agido com responsabilidade. Se olhar na literatura científica da Inglaterra, por exemplo, a maioria tem sido favorável ao retorno. Hoje, existe um protocolo que a volta às aulas acontecerá nas turmas maiores, porque é mais fácil o controle. Com as crianças é mais difícil. Mas nem todos os países adotaram este caminho. A Noruega e o Taiwan, por exemplo, voltaram com os alunos mais novos. O que tem de peculiar em Niterói é que a cidade adotou com sucesso o isolamento. Então é de se creditar que se a cidade viveu a experiência do isolamento saberá respeitar as regras. A Prefeitura tem sido responsável. Anunciou que é um teste. Vamos ver como funciona?
Veja também: Saiba o que diz a Sociedade Brasileira de Pediatria sobre a volta às aulas
Na volta do lockdown, o Prefeito também sustentou a decisão de flexibilizar as atividades mais cedo do que se esperava – e do que estava sendo adotado em outras cidades do mundo. Houve algum repique da doença?
Nós avaliamos uma série de indicadores, o tempo todo. O número de casos, mortes, a capacidade dos hospitais, a letalidade da doença. Estes dados são atualizados diariamente. É preciso considerar a flexibilização. Medir os impactos. E naquele caso foi dentro da normalidade.
Nas últimas semanas, o índice do monitoramento da Covid piorou um pouco… Existe risco?
É preciso olhar sempre o que acontece na cidade, mas também o que acontece em volta. Ninguém está dentro de uma bolha. E Niterói faz parte de uma Região Metropolitana que vem lidando muito mal com a pandemia. Então Niterói pode ser afetada pelas suas decisões, mas também pelas decisões das cidades vizinhas, como o Rio e São Gonçalo. Tanto que uma parte importante das recomendações do Comitê diz respeito ao controle dos fluxos de transporte, ao transporte coletivos, às barcas…A Região Metropolitana realmente apresenta muitas dificuldades.
O mesmo tipo de preocupação aparece agora com a lotação das praias? A Prefeitura acaba de decretar o bloqueio da entrada de Itaipu…
A gente trabalha com uma série de indicadores. Alguns indicadores médicos, hospitalares, epidemiológicos… E alguns indicadores que podemos chamar de “sentinelas”. Pode ser uma notícia de jornal, que mostra praias lotadas. Não é um dado científico. Mas revela um certo descontrole e você não pode esperar ter os dados científicos para agir, então você tem que agir preventivamente, porque certamente vai haver problemas mais adiante. Tudo o que envolve aglomeração e desrespeito às regras de isolamento é preciso controlar rapidamente para evitar o espalhamento.
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Como vocês vêem a evolução da Covid em Niterói?
Quando começa a flexibilização é preciso prestar a atenção o tempo todo. A gente vê os indicadores o tempo todo. Cada um destes movimentos de retorno pode ter algum efeito no contágio. E isso faz que este nível de alerta, este estágio de proteção que nós estamos, o Amarelo – 2 seja prolongado. Se você olhar para o Brasil temos um nível de estabilização da doença num patamar muito alto – e prolongado, como acontece nos países que têm tido dificuldade para enfrentar a doença. A curva de Niterói é melhor. Mas sempre tem a questão, como se proteger numa área de conurbação?
Nós temos acompanhado os números divulgados pela Prefeitura e há algumas disparidades. Na trigésima-sétima semana epidemiológica havia três números diferentes para a mortes ocorridas na semana, 13, 16 e 18? Como saber se o quadro está melhorando ou piorando?
Existem vários dados que são publicados, e é importante que existam abordagens diferentes. Sei que havia discrepâncias com dados da Secretaria Estadual de Saúde. Mas não temos uma crise de credibilidade. Eventualmente, pode até existir algum dado errado. E se estiver errado é porque alguém errou. E vai ser corrigido. Você tem que ver também que são vários indicadores, alguns têm um peso muito grande, como o de óbitos. Podem acontecer distorções também, um aumento no número de internações, ou no registro de novos casos. Por isto a gente procura avaliar, não o que acontece num dia ou na semana, mas, o que se repete a ponto de apontar uma tendência… As tendências são convergentes ao longo do tempo… a situação melhora.
Então a situação de Niterói é de melhora no controle da Covid…
Isso. O que importante agora é ver como a cidade vai reagir diante da flexibilização (das escolas). Isso nós só vamos ver em duas ou três semanas. A discussão que se estabelece é o que deve voltar antes, quem deve circular e com qual finalidade. No Brasil, a discussão tem sido muito atrapalhada pela polarização política. Já vinha de antes da pandemia – e não acontece apenas no Brasil. Todo mundo parece falar em nome da Ciência – mesmo quem nega a Ciência. Precisamos estabelecer o debate. Mas precisamos fazer isto de boa-fé, porque senão o debate não é produtivo.
A vacina também parece ser outro tema polêmico…
A questão é a seguinte. Provavelmente, teremos um vacina no ano que vem. Provavelmente, mais de uma vacina. São caminhos diferentes. O Brasil fez uma aposta, no desenvolvimento de duas vacinas (a de Oxford e a chinesa), o que é uma aposta adequada a um país que não tem dinheiro e não tem muitos amigos. O Brasil tem um capacidade instalada e o reconhecimento técnico para produzir estas vacinas. Então, se estas vacinas derem certo, o Brasil terá condições de produzir a vacina em escala. Mas mesmo acelerando o processo, há etapas que não se pode pular. E é uma população enorme. Algumas das vacinas em desenvolvimento devem ser aplicadas em duas etapas. Então, muito provavelmente, a aplicação da vacina tende a se estender por 2022.
E os efeitos da pandemia sobre a atividade econômica?
Os efeitos da crise têm sido prolongados. Houve uma contração muito rápida e muito forte. E a recuperação é lenta. Mas há sinais de recuperação. O FMI deve rever suas estimativas. Recentemente a Economist exibiu um artigo sobre as emissões de carbono em doze centros urbanos e aparece alguma recuperação. Mas os efeitos da crise vão se estender. Houve uma certa crença de que o pior passou e agora a vida volta ao normal. Que vai ter uma vacina e as atividades vão voltar. Mas o quadro não está dado. Enquanto houver a crise sanitária, a crise econômica se prolonga.
Ainda não acabou…?
O que temos que nos preocupar, agora, é com a questão da segunda onda. Isso já está aparecendo, especialmente na Europa, porque está acabando o verão e o inverno é sempre motivo de preocupação, pelo aumento natural dos casos de doenças respiratórias… Não estamos livres disso. O Brasil está se saindo muito mal na gestão da crise. Não apenas pelo número dramático de mortes. Mas, se não se resolve isto, se não se consegue controlar a doença, também não se resolve a questão econômica e a crise se prolonga.
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