26 de dezembro

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Niterói tem ‘overdose’ de farmácias. O que está por trás do boom de drogarias?

Por por Gabriel Gontijo

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Cidade tem mais de 300 farmácias. Envelhecimento da população e automedicação tornam o negócio lucrativo
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Na esquina da Moreira César com Belisário Augusto, a mais nova do bairro aberta durante a pandemia

As farmácias vendem mais porque são muitas ou são muitas porque vendem mais? Não é um diagnóstico difícil: há muitas farmácias porque elas vendem bem. São um bom negócio. Tão bom negócio que é possível encontrar três, quatro delas no mesmo quarteirão de uma rua de Niterói, como em outras cidades brasileiras.

Leia também: saiba qual bairro de Niterói tem mais farmácias

Niterói tem hoje mais de 300 farmácias para seus 515 mil habitantes. São 305 estabelecimentos, segundo levantamento da Startup Ecomapas. Ou 355 de acordo com o Conselho Regional de Farmácia do Estado do Rio. Isso dá, usando apenas o número arredondado de 300, uma farmácia para cada 1.700 habitantes, quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda uma drogaria para cada oito mil habitantes.

Por essa orientação da OMS, Niterói poderia ter 64. Já seria o bastante. Mas em ruas como a Moreira César e a Gavião Peixoto, em Icaraí, por exemplo, esbarra-se com uma atrás da outra, com distâncias de menos de 100 metros e até lado a lado.

Por quê? Porque, além do faturamento, há diversas outras causas que provocam essa expansão da rede de varejo farmacêutico. É este fenômeno que o A Seguir: Niterói discute em série de reportagens.

Conheça as principais causas, tanto as boas como as ruins, segundo dados do setor e informações de investidores:

Faturamento/bom retorno financeiro

O setor movimenta mais de R$ 120 bilhões por ano no Brasil. Segundo dados da Abrafarma (Associação Brasileira de Redes de Farmácias e Drogarias), a entidade representa 10,2% das cerca de 81 mil lojas do país. Mas, apesar de só terem 10,2% dos estabelecimentos, as redes de farmácias associadas tiveram faturamento de R$ 56,87 bilhões nos últimos 12 meses, quase a metade da receita do setor.

Segundo o Portal Pharma Innovation, relatório da XP Investimentos, uma das maiores corretoras brasileiras, prevê que o varejo farmacêutico será um dos motores do mercado financeiro e um dos segmentos de mais potenciais para investidores em 2021.

Nova lei permitiu diversificar vendas

O “boom” de estabelecimentos do tipo se explica também em parte pelo fato de a lei 13.021, de 2014, ter passado a permitir que as farmácias vendam outros produtos que não sejam exclusivamente ligados à saúde.

Logo após a aprovação da lei, já em 2015, o número de drogarias abertas em todo o Estado do Rio aumentou mais de 40%, segundo estudo da Close-up consultoria.

No caso de Niterói, os números não deixam dúvidas: em 2015 havia 187 farmácias na cidade. Dois anos depois, em 2017, elas já eram 209. E, em 2019, chegaram a 290 unidades, indo a 355 em 2020, segundo o Conselho Regional de Farmácias do Estado do Rio de Janeiro. Enquanto a população cresceu perto de 4% no mesmo período, o percentual desses estabelecimentos subiu 94,91% em Niterói.

O fenômeno da ‘americanização’

Desde 2015 nossas farmácias estão cada vez mais “americanizadas”. Além de remédios, vendem de leite em pó a chocolate, de maquiagem a sandálias, de produtos fit a roupas e artigos para bebês. Se têm oferta maior de produtos, atraem um público mais diversificado.

Inauguração de farmácia em Niterói: cada vez maiores, com mais produtos e mais serviços. Foto reprodução da internet

Tem de tudo

E não é só mais produtos que nossas novas “americanizadas” oferecem. Viraram uma espécie de supermercados que também vendem medicamentos, mas agora oferecem estacionamento e diversos serviços.

Aluguéis caros, bairros com nova cara

Os aluguéis nas alturas afastam os pequenos investidores e comerciantes que vivem do seu pequeno negócio. Mas, por outro lado, passaram a ser um trunfo para grandes redes conseguirem os melhores pontos, já que podem bancar as altas taxas. Tanto que a Moreira César e a Gavião Peixoto, por exemplo, duas das principais ruas de comércio da cidade e com luvas e aluguéis mais caros, têm cada uma perto de 20 farmácias. E aí o comércio de bairro vai deixando de existir enquanto as drogarias proliferam.

Moradora de Icaraí há 20 anos, Maria Cristina Loureiro é uma das pessoas que se assustaram com o crescimento de drogarias. Dizendo estar “chateada” com o que encontra em Icaraí, ela explica que viu muitas lojas de variados segmentos sendo fechadas e cita a Rua Moreira César como exemplo de lugar “descaracterizado” pelo que acontece atualmente.

– Cada vez que eu saio e me deparo com uma uma nova farmácia, fico muito chateada. Moro há mais de 20 anos em Icaraí e encontrava de tudo pelo bairro, nem precisava sair daqui. Só pra se ter uma ideia, boa parte das lojas de roupas que se encontram hoje nos shoppings ou no Centro existiam na Rua Moreira César. Só que se você anda pela rua atualmente, encontra tudo fechando e virando farmácia por todo o lado. Descaracterizou o bairro, que era muito bom até para se distrair. Hoje não tem mais isso – desabafa.

Aumento da expectativa e da qualidade de vida

O brasileiro hoje vive mais e melhor. A expectativa de vida em 2020 era de 76,7 anos, segundo o IBGE, taxa que só não é mais alta por causa da violência no país, que mata mais jovens e “puxa” a taxa para baixo. Na mesma toada do viver mais vem a demanda por qualidade de vida e bem-estar. Esses fatores também levam mais brasileiros às farmácias, ajudando a explicar a proliferação delas e o sucesso do negócio.

População idosa em Icaraí

Se vivem mais e bem, muitos deles estão em Icaraí, Niterói, cidade com um das mais altas qualidades de vida no país. A população do bairro é composta por 35% de idosos, os maiores consumidores de assistência em saúde, segundo o levantamento da Ecomapas.

Pandemia

Não há dados recentes já disponíveis, ou pelo menos não foram divulgados. Mas basta ir a uma farmácia ali na esquina para constatar que uma pandemia de proporções como a da Covid-19 levou mais gente a requisitar produtos e serviços das drogarias. Álcool em gel, por exemplo, desapareceu de todas elas logo no começo da pandemia. E desapareceu porque todo mundo queria e comprou.

Também há dados que mostram procura bem maior por medicamentos que ajudam no tratamento da doença – tanto os provados cientificamente quanto os alavancados por fake news irresponsáveis. E ainda a pandemia fez crescer os serviços: praticamente todas as redes têm hoje unidades, em Niterói, que fazem testes rápidos de Covid. Todos com filas, agora na segunda onda da doença. E ainda vendem oxímetros, termômetros, produtos de higiene pessoal e pra casa…

No caso da Abrafarma, suas associadas juntas apresentaram um crescimento de 7,76% em 2020. Bem verdade que o setor já vinha tendo um crescimento sustentável há alguns anos, especialmente após 2015. O faturamento das redes associadas foi de R$ 43,79 bilhões em 2017 para R$ 47,38 bilhões em 2018, R$ 52,44 bilhões em 2019 e R% 56,87 bilhões em 2020. Mas ele não caiu com a retração da economia e subiu muito além de outros setores, que patinaram ou tiveram queda de receitas.

Em 2020, segundo dados divulgados em seu site, as redes conveniadas da Abrafarma fizeram 900 milhões de atendimentos. É como se a população brasileira tivesse, toda ela, passado quatro vezes nas lojas em um ano.

Médicos de internet e automedicação

Não apenas em Niterói, mas em todo o país a automedicação é uma prática disseminada, apesar de condenada pelos médicos e autoridades sanitárias. É perigoso, mas todo mundo se automedica e compra remédios sem consulta médica. Esse hábito é outro fator que ajuda a encher o caixa das drogarias. Depois da internet o problema se agravou: há quem se “consulte” com o google, e isso muito antes do isolamento social na pandemia, e saia dali direto para encher a sacola na farmácia mais próxima.

Outros

Liberdade de preços, acordos com grandes laboratórios, flexibilidade na margem de lucro, visibilidade nos grandes centros, há ainda outros fatores que ajudam a explicar o crescimento das farmácias. É como diz um conhecido médico de Niterói, que pede para não ser identificado:

– Noves fora a pandemia, não é que as pessoas estão mais doentes. Elas estão é se medicando mais.

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