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Com experiência nos setores público, privado e em organismos internacionais, o atual diretor executivo do Museu de Arte do Rio e ex-diretor do MAC, Marcelo Velloso, vai ampliando seus horizontes no âmbito cultural.
Professor, consultor e gestor com sólida trajetória na área de políticas públicas de cultura e economia criativa, Velloso traz na bagagem suas diversas facetas. Em entrevista ao A Seguir, ele destaca o papel crucial das suas vivências em Niterói para a sua formação profissional.
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Na cidade, ele atuou como diretor geral do Museu de Arte Contemporânea de Niterói (MAC) por quatro anos (2017–2021), foi Secretário de Cultura e Subsecretário de Economia Criativa. Na UFF, foi professor de Planejamento Cultural nos anos de 2007 e 2008.
Ele afirma que Niterói é uma cidade com um potencial gigantesco não apenas para as artes e a cultura, mas para o desenvolvimento da economia criativa.
— É uma cidade que tem investido no setor audiovisual, com construção de cinemas, com fomento à produção de filmes. É uma cidade que tem uma das maiores – e melhores – relações de museus per capta: O MAC, o Janete, o Ingá, o Museu de Itaipu… e em breve, ao que tudo indica, o Museu Ilha da Boa Viagem e o Museu do Cinema Brasileiro. E tem os grandes shows na praia de Icaraí, no Caminho Niemeyer.
Marcelo Velloso atuou ainda como superintendente de Cultura, Eventos e Turismo da Autoridade Pública Olímpica, durante os Jogos Olímpicos Rio 2016, e integrou a equipe do Ministério da Cultura.
Ao falar sobre a integração de novos suportes e direcionamentos em exposições, com a Inteligência Artificial como suporte, Marcelo acredita na conciliação dos meios tradicionais e não em um embate:
— Podemos exibir um determinado conteúdo artístico (como quadros e fotos) projetados em equipamentos de mídia que criam esse ambiente de imersão, por exemplo. Será uma experiência. Mas também podemos exibir esse conteúdo artístico de outros modos, como em vídeo mappings, em reproduções em lambe-lambe colados em muros, em aparelhos de TV, ou mesmo pendurados em uma parede. E cada modo de exibição será uma experiência diferente.
Ele também fala dos novos desafios como diretor executivo do MAR, cargo que ocupa há pouco mais de um mês: “É muita informação em um curto espaço de dias. Para lidar com isso é preciso ter planejamento: organizar demandas, prioridades, agendas, e é preciso a gente estar organizado também”, confessou.
A SEGUIR: NITERÓI: Sua relação Niterói me parece estreita em termos de trabalho e formação. Você é produtor cultural pela UFF, foi Secretário de Cultura e Subsecretário de Economia Criativa da cidade no ano de 2008 e ainda foi diretor do MAC por três anos (2017-2021). Que lugar Niterói ocupa na sua vida em termos profissionais? O que você carrega dessas experiências de gestão pública e de um museu como o MAC no seu trabalho como diretor executivo do MAR?
MARCELO VELLOSO: Niterói é a cidade em que cresci. É a cidade em que me formei, a cidade que me formou. Foi em Niterói onde comecei minha vida profissional, como estagiário na Secretaria Municipal de Cultura, em 1998. Foi em Niterói onde exerci boa parte da minha vida profissional. Portanto, muito do que aprendi profissionalmente, muito do que sou como profissional, devo às minhas diversas vivências em Niterói.
O MAC e o MAR são dois museus bem diferentes, com modelos de gestão bastante distintos. Mas ambos são museus de arte, são museus públicos, e, portanto, têm o compromisso público de formação e de gestão de acervo, de abordagem crítica sobre a sociedade em que vivemos, seja do ponto de vista histórico, quanto da contemporaneidade.
Então, esse senso sobre a responsabilidade que um museu público de arte deve ter, é, sem dúvidas, uma reflexão que trago desde minha época no MAC (na verdade desde bem antes, desde a época de estudante na UFF) até os dias de hoje no MAR. Também, tem a experiência em planejamento, experiência em gestão de equipe… enfim, dessa relação com os processos gerenciais de um museu, de um equipamento cultural.
Tem a experiência na gestão pública de modo geral, entender a dinâmica da administração pública é muito importante para o dia-a-dia de um museu público, que recebe recursos públicos – sejam diretos ou por meio de leis de incentivo.
Mas, como disse antes, são museus com gestões diferentes. Enquanto o MAC é uma unidade da Fundação de Arte de Niterói, gerido diretamente pela administração pública, o MAR é, desde sua origem, gerido por meio de uma parceria entre a Prefeitura e uma outra instituição.
E há quatro anos a OEI (Organização dos Estados Ibero-americanos) é a instituição responsável pela gestão em colaboração com a Secretaria Municipal de Cultura. Então a gestão de um museu é sempre um aprendizado. Um museu nunca é igual ao outro. Ambos são museus com uma forte relação com o território onde estão inseridos. Mas são territórios distintos, e relações diferentes.
– Na UFF, você chegou a ser professor de Planejamento Cultural nos anos de 2007 e 2008. Nessa época, a relação com a cultura era bem dispare do que é hoje, com os algoritmos e a inteligência artificial ditando tudo. O que você observa que mudou em termos de conteúdo da época que dava aula para os dias atuais?
Acho que a questão principal não são os conteúdos, mas os meios, as ferramentas, a forma como esse conteúdo, como a arte, passa a circular. Obviamente que o desenvolvimento tecnológico é naturalmente incorporado no processo de pesquisa e produção artística. E essa apropriação constante é das grandes forças da arte ao longo da história humana, vide o movimento antropofágico.
Então, a questão é como podemos nos utilizar dessas ferramentas, como a inteligência artificial, os algoritmos, as redes sociais etc, para produção e para difusão artística. Em 2008 não havia essas ferramentas, mas havia um debate que era importante na época sobre o uso de novas tecnologias digitais no processo artístico e na produção cultural.
Tanto que no início do Programa Cultura Viva no Ministério da Cultura, na gestão de Gilberto Gil, os primeiros Pontos de Cultura recebiam, além do recurso financeiro, um kit multimídia com equipamentos audiovisuais e computador, para se conectarem, para auxiliar a formação de rede, mas também para ferramentas de produção.
Quando a televisão se popularizou, diziam que seria o fim do cinema. A mesma coisa ocorreu com o surgimento do streaming mais recentemente… Ou seja, os avanços tecnológicos sempre estarão colocados como ferramentas e desafios à produção cultural. Em cada época com os dilemas de seu tempo.
– Como é sua relação com a cidade? O que você enxerga de mais potente em termos de vocação cultural de Niterói, atualmente, como espectador?
Na minha adolescência, Niterói tinha duas cenas que eram muito fortes: as artes visuais e a música. Não cheguei a frequentar o Duerê (não tinha idade para isso… rs), mas lembro de uma Niterói com vários espaços com apresentações musicais maravilhosas! No Theatro Municipal, no Teatro do DCE, no Teatro da UFF.
Em vários barzinhos por Icaraí e Santa Rosa… A Estação Cantareira surge aí. Depois teve o programa da Secretaria de Cultura que realizava apresentações musicais pelas praças e esquinas da cidade… Já nas artes visuais, lembro das exposições no Centro de Artes UFF, no Paschoal Carlos Magno, os eventos na Galeria do Poste! E O MAC surge muito como resultado dessa cidade vibrante.
Mas hoje, moro e trabalho do outro lado da baía, no Rio. E com a correria do dia-a-dia vou menos a Niterói do que gostaria… Mas como um espectador eventual, mas que acompanha muito a vida da cidade pelas redes sociais e pelas conversas com os amigos, acho que Niterói é uma cidade com um potencial gigantesco não apenas para as artes e a cultura, mas para o desenvolvimento da economia criativa.
É uma cidade que tem investido no setor audiovisual, com construção de cinemas, com fomento à produção de filmes. É uma cidade que tem uma das maiores – e melhores – relações de museus per capta: O MAC, o Janete, o Ingá, o Museu de Itaipu… e em breve, ao que tudo indica, o Museu Ilha da Boa Viagem e o Museu do Cinema Brasileiro.
E tem os grandes shows na praia de Icaraí, no Caminho Niemeyer. Niterói é uma cidade que respira arte e cultura, uma cidade que tem optado por um modelo de desenvolvimento que considera a criatividade como estratégica para a geração de oportunidades, para criação de emprego e renda.
Acho que Niterói não tem uma vocação, mas várias vocações, porque é uma cidade criativa!
– Fale um pouco sobre sua relação com a cidade. O que você gosta de fazer no tempo livre?
Morei na cidade, entre idas e vindas, dos meus oito meses de idade aos 34 anos. E mesmo depois de me mudar, mantive uma relação de trabalho por mais vários anos. Foi em Niterói onde fui pela primeira vez a um teatro, onde fui pela primeira vez ao cinema. Me lembro muito de quando era criança de ir ao Cinema Icaraí e aos antigos cinemas Central e Niterói, no Centro.
Depois, mais velho, das rodas de samba, dos passeios na feirinha do Campo de São Bento aos finais de semana, dos shows na antiga Estação Cantareira! Foi em Niterói, nas aulas no Centro Educacional e depois no curso de Produção Cultural na UFF que tive professores que estimularam minha sensibilidade para as artes.
Eu sempre gostei de encontrar os amigos, de ir a bares, de tomar uma cerveja e jogar papo fora. Gostava muito de ir ao Brisa de Mar, aquele quiosque ali na Boa Viagem, comer um cheeseburguer de frango desfiado (não sei se ainda existe…). Gostava de ir à praia.
Sabe que quando eu era criança ia muito à praia da Boa Viagem, e a gente nadava em volta da ilha? Depois, mais velho, ia às praias da Região Oceânica, como Itacoatiara, Itaipu… Mas acho que os meus principais programas, o que mais gostava de fazer, era ir a um bom samba (fosse no Candongueiro ou ali em São Domingos) e de tomar uma cerveja com os amigos na Cantareira.
– Como tem sido a rotina no Museu de Arte do Rio? Quais são suas principais atribuições?
Eu estou diretor executivo do MAR. Acabei de chegar, tem pouco mais de um mês. E tem sido uma experiência fantástica! Estou fazendo o que sei e o que gosto em um lugar sensacional.
Como diretor executivo sou responsável pela gestão de todo o museu. Do planejamento de programação, planejamento orçamentário, relações com outros museus e equipamentos culturais, relação com a Secretaria Municipal de Cultura, enfim, por tudo o que diz respeito ao museu.
Mas não faço isso sozinho! O MAR tem uma equipe muito qualificada que, com um trabalho incansável, tem feito deste um museu com uma programação de exposições de qualidade, um museu que dialoga com o território, um museu carioca, do Rio, para o Rio e para o mundo. E, como costumo dizer, eu cheguei para somar esforços!
Neste último mês tem sido uma rotina intensa. Cheguei em um museu em pleno funcionamento, e é preciso conhecer o museu, sua administração, suas questões – o que demanda tempo –, ao mesmo tempo em que é preciso dar conta das questões que vão aparecendo no dia-a-dia (e são muitas!).
É muita informação em um curto espaço de dias. E para lidar com isso é preciso ter planejamento: organizar demandas, prioridades, agendas, e é preciso a gente estar organizado também. Mas posso dizer que sou privilegiado, pois se por um lado foram jornadas intensas, por outro fui muito bem acolhido pela equipe do MAR e da OEI. Todo mundo solícito, pronto a ajudar, a dar informações, a esclarecer dúvidas. Então, o trabalho fluiu melhor. E, como disse, quando a gente faz o que gosta, fica melhor ainda.
– Niterói tem sido um catalisador de cultura. A cidade tem promovido diversos festivais de música, cinema, peças teatrais variadas, mas em relação às exposições, poucas se destacam na mídia. O que você considera importante levar em conta na curadoria de uma exposição?
Olha, eu não acho que as exposições que acontecem em Niterói não se destaquem… Ao contrário! E posso dizer do período em que estive no MAC, tivemos ali algumas das melhores exposições do Brasil na época, como Abdias Nascimento, Regina Vater, Jaime Lauriano, Riposaviti, de Lúcio Costa, entre outras, exposições que correram o mundo!
O MAC é um museu que historicamente recebe uma enorme quantidade de visitantes, uma média maior do que de alguns grandes museus do país. O Museu Janete Costa também, com suas exposições de arte popular bem montadas, que contavam histórias interessantes, lembro que atraía uma quantidade grande de visitantes.
Mas em geral as pessoas não vão sempre ao mesmo museu… especialmente aqui no Brasil, a ida a museus é dos hábitos culturais menos comum. E nem toda exposição tem um grande apelo midiático. Então, se tem uma ideia equivocada de que as exposições não se destacam…
Mas é óbvio também que muitas vezes falta recursos aos museus para realizarem uma mostra de melhor qualidade, para trabalharem uma boa divulgação de sua programação ou mesmo para fazer um programa de formação com escolas, por exemplo.
Outro problema é que muitas vezes as instituições estão muito descoladas da realidade do território onde estão inseridas. Não dialogam com o entorno e, portanto, não são reconhecidas pela comunidade como algo interessante. E esse é um ponto que tem sido discutido pelos museus no mundo todo: museu tem que ser vivo, dinâmico e dialogar com a comunidade.
Museu não é mais uma caixinha de curiosidades, é um espaço que articula, que forma, que discute, que provoca, que diverte. Então, a questão não é, na minha opinião, apenas um problema de curadoria. É sobretudo, um problema de entender qual o papel de um museu.
– O Caminho Niemeyer, em Niterói, tem se consolidado como um polo cultural. Shows de artistas da música eletrônica internacional, Festival do Samba com Maria Rita e Xande de Pilares… Foi palco, recentemente, do Numanice da Ludmilla, entre outros. Essa aposta na diversidade é tendência?
Somos um país diverso, etnicamente, culturalmente. E nos últimos anos a chamada “opinião pública” passou a ser mais plural, menos relacionada a uma ideia concebida de identidade, que não refletia a pluralidade da cultura, que não refletia a diversidade de gostos e valores das pessoas.
E não tenho dúvidas de que as redes sociais foram uma ferramenta muito importante para essa virada. A potência diversificada da cultura dos diversos territórios tem, nos ambientes digitais, meios de circular. E as pessoas também têm, nessas redes, espaço para buscar o que gostam, o que querem consumir.
E esse movimento todo gera uma força popular, uma demanda por diferentes estilos musicais, por exemplo. E os grandes produtores, e os principais agentes públicos, estão atentos a essa demanda. Por isso que reitero: não é uma aposta, mas sim o resultado de uma nova configuração social e política da nossa sociedade.
– Em termos de museu, especificamente, há uma busca quase incessante por exposições interativas, imersivas e até com uso de IA. Como é possível conciliar essas demandas com outras possibilidades de exposições, em que o foco é mais direcionado para a pintura ou fotografia?
Acho que são duas coisas diferentes. Uma é entender que as mídias que possibilitam atividades interativas ou imersivas são ferramentas para difusão de informação. E que podem ser utilizadas para exibir diferentes tipos de conteúdo, sejam artísticos ou não.
Então, se houver interesse, podemos exibir um determinado conteúdo artístico (como quadros e fotos, como você citou) projetados em equipamentos de mídia que criam esse ambiente de imersão, por exemplo. Será uma experiência. Mas também podemos exibir esse conteúdo artístico de outros modos, como em vídeo mappings, em reproduções em lambe-lambe colados em muros, em aparelhos de TV, ou mesmo pendurados em uma parede. E cada modo de exibição será uma experiência diferente.
A outra questão é entender até onde vai nosso entendimento sobre o que é arte. Quem disse que arte é só quadro e foto pendurados na parede? Um artista não pode utilizar essas ferramentas de mídia, e mesmo um programa de inteligência artificial, para produzir seu trabalho artístico? Claro que pode!
Então, a questão das exposições imersivas, que temos visto cada vez com mais frequência, é que na maioria das vezes elas trabalham com o simulacro do trabalho de um outro artista. Pode ser uma forma de engajamento, uma forma de sensibilização, mas efetivamente está reproduzindo o trabalho que foi feito por outra pessoa. É uma experiência válida, sem dúvidas. Mas em algum momento no passado teve um artista que dedicou tempo e criatividade para realizar um trabalho que está sendo mostrado em telas interativas e imersivas.
Mas as tecnologias imersivas e interativas são ferramentas que podem e devem ser usadas para produzirem trabalhos artísticos únicos e maravilhosos, sem a necessidade de se aproveitar de algo que já existe. Sejamos criativos!
– O Rio agora é capital mundial do livro. A primeira cidade de língua portuguesa a receber essa honraria. O que o MAR tem planejado para esse ano para compor essa agenda cultural?
Temos algumas ações planejadas e outras em planejamento. Primeiro, é importante lembrar da Biblioteca do MAR, que funciona na Escola do Olhar, e que realiza uma programação permanente e é muito frequentada pela vizinhança do museu.
Dentre as atividades, teremos o Fórum de Contadores de História, o lançamento de três publicações e uma exposição sobre o poetinha Vinícius de Moraes.
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