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Não é achismo, muito menos empírico, ou mesmo uma provocação que acende a força das mulheres que sustentam todas as demandas de uma casa sozinhas. É científico, saiu no IBGE. Em Niterói, mais mulheres do que homens estão nos comandos dos lares: 52,53% (252.229) de mulheres, contra 47,47% de homens (227.948).
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Na cidade, dentre as pessoas que moram sozinhas, o maior percentual é de mulheres com mais de 60 anos. Os números falam por si: 12,34% dos domicílios são ocupados por essa faixa etária. Desse total, 8,76% por mulheres, o que representa 17.043 domicílios particulares. É maior do que a média do estado e do país.
O A Seguir conversou com mulheres de diversas faixas etárias para falar sobre os desafios de morar só, o amadurecimento que se constrói com o acúmulo de experiências, a organização que se exige, ou a falta de, que atrapalha a fluidez da rotina, a capacidade de administrar as variadas demandas, a liberdade e também o sentimento que vem com ela.
Liberdade ou solidão? Dar conta de tudo pode ser muito e isso pode causar exaustão para algumas, ou pode ser uma conquista individual que supera qualquer dificuldade que estar só pode proporcionar.
Larissa é professora de História na UFF. Aos 53 anos, ela acha que tem uma companhia grande em sua casa: o seu ofício.
– As demandas de trabalho estão lá e ocupam o meu espaço, dividido também com as leituras, os filmes e as tarefas de casa de que eu dou conta… Estou sempre em dívida com o preparo da comida, que para mim é a tarefa mais exigente em organização para quem mora sozinho: um só decide o que vai fazer, faz as compras, prepara, congela… O planejamento das compras é para não sobrar, mas fica chato entrar na padaria e pedir só dois pães franceses, não é?
A professora afirma que esse equilíbrio é algo que se aprende com o tempo. E que é bom mudar um pouco a dinâmica das coisas, ter sempre visita, para dividir e assegurar que as coisas não fiquem sempre do nosso jeito.
– Tenho o privilégio de ter quem me ajude nas tarefas de casa, moro em um lugar muito seguro e tenho interesses que preenchem muito os dias. Mas tenho os medos também, porque é mais vulnerável viver só, algo que só me dei conta mais recentemente, porque é próprio da idade que avança. Então acho que as vantagens mudam com o tempo. Para mim, já foi liberdade, autonomia. Hoje acho que é um contexto diferente, mas sigo adorando esse desafio.
A publicitária Ana Clara, 29 anos, se mudou tem 10 meses e vive o que Larissa pontua como o que há de mais suprassumo na vida adulta de quem mora só: a liberdade e autonomia de todas suas próprias decisões. Todas conscientes e estritamente individuais, respeitando o tempo das coisas, sem ser ditado por alguém.
– É uma novidade que estou amando desbravar. Morar sozinha, pelo menos quando ainda se é jovem, é um amadurecimento que nada nessa vida pode nos oferecer. Quando me sinto só, ouço uma música, vou cozinhar, ligo para alguém, vejo uma entrevista, vou aprender. Ver um filme da lista que parece ser infinita, ler um livro, sempre há o que fazer. O tédio nunca me atravessou – pontua.
No entanto, como tudo nessa vida, há os ônus: além de administrar toda a parte financeira sozinha – muitas das vezes abrir mão de algo que se quer fazer para dar conta das despesas – tem a parte que não pode cair em esquecimento nunca: a faxina.
– Eu descobri em mim que gosto de tudo muito organizado e limpo, portanto tenho uma rotina bem específica com minha casa. Limpo e organizo tudo semanalmente, não deixo acumular. Penso que a casa é um retrato da gente, mas só depende de nós essa imagem ser mudada. Não quero que a minha bagunça interna seja revelada assim, de mão beijada.
Kaline Araújo, consultora de Cultura e Gestão, mora sozinha há 4 anos. Ela se mudou lá no começo da pandemia, em 2020, quando tinha 34 anos. Ela observa que hoje em dia as pessoas estão fazendo um movimento contrario: estão retomando à casa dos seus pais para dividir as contas e despesas. E esse é o que ela considera ser o principal desafio: a responsabilidade de não ter com quem dividir as contas “e elas chegam sempre”.
– Eu particularmente não me apego a esse sentimento de escassez. Eu olho para frente e tenho passos de fé. A vida acontece em movimento e sempre deu certo. Nunca me faltou – conta.
Kaline considera que esse índice pode ser explicado por um fator: a criação das mães com seus filhos.
– Sinceramente tenho que na minha geração as mães falharam gravemente com seus filhos homens. Eu os vejo sem coragem e medrosos de assumir uma responsabilidade dessas. Já até ouvi de um colega de trabalho:”em breve vou me juntar para dividir as contas…” – conta rindo, sem deixar escapar o tom de preocupação.
E morar só pode ser solitário?
– Muitas vezes.. mas eu já me acostumei e me sinto bem com a minha casa. Eu desprendo muita energia o dia todo. Meu trabalho exige isso. Então, quando eu chego em casa, eu não quero falar com ninguém. Então é bom por um lado, já que meu foco é minha carreira. Agora que venho pensando em conhecer alguém legal e morar junto.
Mas antes só do que mal acompanhado, claro.
– Precisaria ser uma pessoa muito parceira, que some, para valer a pena.
Outro ponto é a organização com as refeições.
– Se eu não for ao mercado, não terá comida. Eu já até chorei de raiva com isso, mas faz parte. Tem o ônus e o bônus. Acredito que mais bônus. E hoje em dia eu solucionei isso. Tenho uma pessoa que vai uma vez na semana lá em casa. E como sou organizada, ela lava, passa e cozinha. É minha madrinha!
A professora de inglês, Margit Pagani, 60+, acredita que existem certamente muitas vantagens em se morar sozinho, porém há também dificuldades e desafios. Além da privacidade e autonomia, a liberdade de ação e escolha, tanto no que diz respeito à organização do espaço que se vive como na vida pessoal, é total.
– Contudo, tem o peso das responsabilidades, que é maior quando se está só. É preciso saber planejar bem o orçamento e lidar com adversidades, muitas vezes sem ajuda. E para isso é preciso ser resiliente e manter o auto controle para que soluções práticas e plausíveis possam ser encontradas. Posso dizer que a experiência de viver só me transformou numa pessoa forte, auto suficiente e corajosa, capaz de enfrentar desafios antes impensáveis.
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