21 de novembro

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Andanças

Por Giovanni Faria

Giovanni Faria é jornalista com mais de 30 anos de atuação em jornais e rádios do país, professor universitário e um andarilho pelo mundo. Já percorreu mais de 5.500 KMs em 11 viagens pelo Caminho de Santiago de Compostela. Nasceu em Nova Friburgo, mas é frequentador assíduo das ruas de Niterói, onde mora e caminha diariamente por todos os cantos da cidade.
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O calçadão de Icaraí é quase terreno para jipeiros

Caminhada de cinco quilômetros pelo calçadão de Icaraí ao Gragoatá, em dia de chuva, é repleta de obstáculos, como um circuito off-road

Chover é a senha para que a caminhada de dez quilômetros do início da Estrada Fróes, em Icaraí, à Cantareira, em São Domingos, ida e volta, ganhe contornos de uma aventura repleta de obstáculos. Então, pés à obra! Pois choveu, no pretérito; chove, no presente; e choverá, no futuro.

É manhã de sexta-feira. Na largada, sobre o canal da Ari Parreiras desembocando na Praia de Icaraí, nem cheiro nem visual são tão agradáveis assim. Motivo inicial para apertar o passo. Mas, afinal, cadê todo mundo?

O calçadão de Icaraí, invariavelmente lotado nas manhãs ensolaradas, é um vazio assustador depois dos primeiros pingos de chuva. Nas primeiras passadas, um inimigo brota do chão de pedra portuguesa feito campo minado: os frutos das amendoeiras, às centenas, são o cartão de visita para o primeiro aviso: se pisar neles, o escorregão é certo. Melhor que apenas caiam na cabeça – a dose de dor é menor.

Mas eles não ameaçam tanto quanto as poças de água que surgem no caminho, ainda tímidas, minúsculas. Mas que crescem na metade do primeiro quilômetro, ali na altura da Rua Otávio Carneiro. Daí em diante, até a reitoria da UFF, viram poças alentadas, lagunas, lagos… O ziguezague para contorná-las me dá ares de bêbado e equilibrista. Sem pernas de caminhantes à frente, num vazio de gente, é possível constatar: o calçadão é off-road, quase um terreno para jipeiros.

O trecho entre as ruas Lopes Trovão e Presidente Backer é o mais crítico, com piso irregular e perigoso. Vez por outra, alguém tropeça e cai. Por ali, imagino um confeiteiro alisando o bolo, deixando-o no prumo certo para o aniversariante. Os calceteiros deveriam fazer o mesmo: aplanar, desencarquilhar aquele trecho.

De novo, cadê todo mundo? Olho a bela paisagem de areia, mar e Rio de Janeiro à esquerda e… nada. Redes de vôlei? Vazias. Pessoal da peteca? Ninguém. E a gurizada do altinho também não apareceu, assim como o do beach tênis. Só mais poças. E frutos de amendoeira. Chuto um, chuto dois… Nos quiosques, pilhas de cocos no estoque para o fim de semana, mas nenhum cliente. Encalhe à vista se São Pedro não ajudar. Nas mesinhas, o jogo de dama não rola. Chove e venta, espantalhos naturais.

Do lado direito, nos primeiros dois quilômetros, o buzinaço come solto na Praia de Icaraí com o trânsito no estilo tartaruga preguiçosa. Buzinas chatas, gratuitas, sem efeito, desnecessárias, estridentes, histéricas. Não caminho ouvindo música – perco a passada – então, haja tímpanos. Uma moto fura o sinal vermelho. Outra também. É um dia bem normal no asfalto.

Mas no calçadão, não. Esse se estreita na Praia das Flechas. Ali, cada vez mais gente “morando” sob o calçadão, em tendas improvisadas, feitas com sacos plásticos ou cobertores. Há dias vi que dezenas de pessoas foram retiradas dali, numa megaoperação. Há dias vi que dezenas de pessoas voltaram para o mesmo lugar.

Chego ao MAC. A chuva aperta. Não há viv’alma, nem mesmo o vendedor de coco, mas apenas o pessoal da canoa havaiana remando forte lá embaixo – só deixarão de fazê-lo quando o oceano secar. Pego embalo na descida da Boa Viagem, aí sim sem poças. Paro em frente ao recém-construído posto de informações turísticas todo espelhado, dou um tapa no cabelo e ajeito as meias, e me pergunto quando vou vê-lo aberto de verdade.

Aí chego ao “calçadão” de Boa Viagem, com ares de calçadinha em vários trechos. Ali o caminho afunila, tomo cuidado com o pescador que arremessa a linha no mar e driblo a passeadora de cães que me espreme entre uma amendoeira e um quiosque. Cachorros não têm medo de chuva. Mas volto aos quiosques. No meio do caminho, valeu Drummond, havia e há três quiosques que, em dias de sol e calor, obrigam o caminhante a trocar de calçada ou driblar mesas, cadeiras e frequentadores que se esparramam num belo furdunço. Nada contra, mas esses “gargalos” podiam ser mais organizados. Mas hoje chove – ave! Passei sem aqueles atropelos.

Chego ao último quilômetro – o quinto. Antes do Forte do Gragoatá, uma pausa para alongamento das pernas e para “admirar” a placa em homenagem a… a quem mesmo? Bem, não sei, não consigo descobrir: foi toda pintada de preto, mais se parece com uma pichação – mas não é. Com muito custo, descubro o homenageado: general Milton Tavares de Souza, que dá nome à avenida em frente. Pelo jeito, uma placa para não ser vista, nem lida.

Daqui para a frente, nem calçadão, nem calçada. Off-road na veia, à moda jipão na estrada em Visconde de Mauá. Cruzo a Praça Duque de Caxias, onde ficam estacionados uma dezena de carros de uma empresa prestadora de serviço de telefonia, enquanto os funcionários fazem reunião e distribuem material na calçada – tipo um escritório a céu aberto. Até com chuva. Com a praça em obra, o jeito é ir pela rua.

Em tempo: nos trechos de ciclovia, há sempre um carro aqui e ali, em flagrante desrespeito, mas com o atenuante corriqueiro de esperteza: pisca-alerta ligado. O caminhante, ou o ciclista, que seja bom driblador.

A Cantareira é o ponto final. Hora de voltar, com cuidado. Dez quilômetros de esforço e belas paisagens que tiram o fôlego. Haja pulmões. O caminhante não se aborrece, canta e assovia, agradece encharcado. Mas não tira os olhos do chão traiçoeiro e desnivelado, escorregadio e ondulado, empoçado e “amendoeirado” com folhas e frutos. Obstáculos fazem parte da vida, mas bem que a orla merecia um tapa no visual.

E tome chuva…!

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