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O ouvido aguçado para música sempre perseguiu Chico Batera, que comemora seus 80 anos e 60 anos na estrada fazendo o que mais gosta: tocar um instrumento que carrega no nome.
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Chico é um dos grandes nomes da música brasileira. Percussionista nato, toca bateria e ainda piano. Começou seu ofício na música quando tinha apenas 17 anos. Em sua carreira, tocou ao lado de grandes músicos, como Chico Buarque, com quem ainda está finalizando uma turnê que percorreu o Brasil inteiro, e irá para Europa, além de Elis Regina, Tom Jobim, Frank Sinatra e o grupo The Doors.
– A única língua verdadeira universal é a música. Pode chegar um cara do Japão, sentar e tocar um tamborim que todo mundo vai entender. A música faz isso. A música é a salvação – resume Chico.
Em entrevista ao A Seguir: Niterói, momentos antes de ir para o ensaio para o show comemorativo realizado no Theatro Municipal de Niterói, dia 19, Chico Batera falou de sua trajetória na música. Conta como Djavan o trouxe para Niterói, cidade onde vive há mais de 30 anos. Fala também sobre sua relação com músicos de renome da cidade, como Arthur Maia, a família Continentino, Claudio Zoli, entre tantos outros.
Com fôlego e entusiasmo de quem apenas começa na carreira, Chico conta que, para o show não sair do trilho, são horas de ensaio. Só na véspera dessa apresentação comemorativa, ele ficou sete horas ensaiando no Theatro Municipal, para se apresentar com Itamar Assiere (piano), Zé Luiz Maia (baixo), Jorge Continentino (sopros) e Aline Porto (percussão). Luiz Cláudio Ramos ficou responsável pelos arranjos e o violão. O repertório, claro, pautado por composições de Tom Jobim e Moacir Santos. Chico faz questão de homenagear Wilson das Neves, amigo e parceiro de longa, com as músicas “O Samba é Meu Dom” e “Grande Hotel”, na voz de Áurea Martins. O músico faz ainda outros projetos para marcar os 80 anos. Vai lançar, com o apoio da FAN- Fundação de Arte de Niterói, uma autobiografia e um documentário sobre sua vida ainda neste ano.
A seguir, os melhores momentos da entrevista:
A Seguir: Niterói: Sua ligação com Niterói vem desde cedo. Você começou no Beco das Garrafas, no surgimento da Bossa Nova, quando Sérgio Mendes, músico de Niterói, te convidou para tocar lá. Conte um pouco sobre sua relação com Niterói, local que escolheu para comemorar seu aniversário de 80 anos.
Chico Batera: Eu mudei para Niterói há 34 anos. Já morei em Itaipu, na Região Oceânica, e agora moro no Ingá. Mas a minha relação musical com a cidade vem do começo da minha carreira, há 60 anos atrás. Comecei a tocar com os músicos de Niterói, como Sérgio Mendes e Tião Neto. Sergio e Tião frequentavam o Beco da Garrafa. O Tião é dez anos mais velho, já tocava com o Sergio.
Essa turma da bossa nova era muito da elite, da Zona Sul do Rio. Eu era da Ilha do Governador. Não foi por acaso que justamente os dois músicos de Niterói, que frequentavam o Beco da Garrafa, me convidaram para tocar. Daí já estava desenhando minha relação com Niterói, desde essa época.
Tem uma história que o Djavan te trouxe para Niterói. Parece que ele tinha um sítio e você morou um tempo lá.
Eu queria sair do Rio. Minha vida estava muito tumultuada. Queria dar um tempo, sossegar e cuidar da minha música. Foi quando o Djavan me ofereceu esse sítio, que era em Itaipuaçu, e eu fui para esfriar a cabeça, dar um tempo do Rio. Fiquei uns seis meses. Comecei a andar por aqui e gostei. Acho que muito pela lembrança do meu convívio com os músicos de Niterói.
Eu tinha acabado de vender o estúdio e comprei um terreno em Itaipu, construí a casa e pronto. Quando eu vi, estava morando em Niterói. Niterói tem um astral musical. O Arthur Maia era meu vizinho. Ele morava na Avenida Central. Vários músicos, Claudio Zoli, a família Continentino. Toquei durante anos com a Elis Regina com o tio do Arthur Maia, o Zé Luiz Maia, que é pai do baixista que vai tocar comigo hoje no show.
Você diz que nenhuma outra cidade tem esse olhar para a cultura. O que você acha que te instigou tanto em Niterói?
O aniversário de Niterói é o dia de Santa Cecília, que é padroeira mundial dos músicos. Não sei o que está por trás disso tudo. Não tenho muita curiosidade em saber o outro lado, porque o outro lado eu vou saber ou não. E pode ser que não tenha nada disso também. Mas os espanhóis têm um ditado interessante que é o seguinte: “Eu não acredito nas bruxas, mas que elas existem, existem”. Essa minha relação com Niterói é bruxaria.
No momento, esse campo do desconhecido eu não estou querendo penetrar muito não. Para conhecer, eu teria que morrer agora. Não quero não…
Como é o seu ritual na hora de subir ao palco?
-Eu gosto de ensaiar bastante e praticar em casa. Estou em turnê com o Chico Buarque há mais de um ano. O penúltimo show foi em Salvador na semana passada. Com o Chico eu toco mais percussão. Aproveitei essa semana que estive em casa para esquentar a mão de novo. Nesse show dos 80 anos eu toco bateria, entre outros instrumentos. Ontem (quinta-feira, 18) fui ao Theatro Municipal ensaiar. Fiquei lá das 13h às 20h. É tanta gente boa comigo na banda: Chico Brown, por exemplo. Para mim é um privilégio, tocar com o avô e com o neto. Ainda tem a Aurea Martins.
Agora estou indo para o Theatro de novo e vou ficar das 13h às 18h, que é quando ele abre. Eu não tenho ritual, mas meia hora antes do show eu gosto de ficar quieto no meu camarim, mas nada exótico, só ficar mais na minha, concentrado. Meu negócio é ficar quieto.
Eu fiz um curso de intensivo de Niterói. Conheci minha companheira há 10 anos, a Mariza, que nasceu e foi criada aqui. Foi quando eu conheci mais Niterói. Quem mora na Região Oceânica não conhece direito Niterói, assim como quem mora na Barra da Tijuca não conhece o Rio de Janeiro.
Você fez parte do seleto grupo de músicos que sedimentou a bossa nova no mundo, dividindo palco com nomes como Rosinha de Valença, Tom Jobim, Frank Sinatra, Ella Fitzgerald, Cat Stevens, The Doors e Chico Buarque, com quem construiu uma parceria que está completando 50 anos. O que você acha que te levou a trilhar esse caminho tão diverso na música? O que te fez transitar por vários gêneros musicais?
Isso a gente pode resumir em um pensamento: a única língua verdadeira universal é a música. Pode chegar um cara do Japão, sentar e tocar um tamborim que todo mundo vai entender. A música faz isso. A música é a salvação. Comecei com 17 anos. Isso quer dizer que sou músico há 63 anos. É mais fácil lembrar de quem eu não toquei do que com quem eu toquei. O bom de ficar velho é que você não fica preocupado de lembrar/anotar. Eu ligo o piloto automático e deixo a vida me levar, tipo Zeca Pagodinho, sabe?
O que você acha que a estrada te ensinou ao longo desses 60 anos?
A grande arte é viver, mais do que música, teatro, escrever. Quando você chegar com 80 anos e se sentir ainda pulsando, com vontade de viver, sair com os amigos, escutar música. É o grande objetivo da vida.
O que gosta de fazer na sua rotina? Qual o lado B do Chico?
As pessoas se enganam quando falam que músico pensa o tempo todo em música. No livro que eu estou escrevendo sobre minha carreira, o Chico Buarque fez uma dedicatória em que ele diz que fizemos muita coisa ao longo desses 50 anos, saímos, bebemos, fumamos, mas não falamos sobre música. Essa é a realidade. Já está dentro da gente, a música.
Eu gosto muito de ficar quieto, na minha. Dou umas voltas, mas gosto muito de cinema. O Reserva Cultural é ótimo. Gosto muito de comer bem também.
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