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Nascido em uma família de educadores, empresários e políticos, em Niterói, André Valle não nega seu DNA. Professor e Coordenador da Fundação Getúlio Vargas há 27 anos, há dois ele inaugurou a cervejaria Masterpiece cuja sede é no Cafubá. Um ano depois, fez uma Joint Operation com a cervejaria Máfia (Itaipu) e é o CEO das duas marcas.
Já a política, não é exercida em cargos – o mais perto que chegou disso foi o período em que presidiu o Grêmio, na época de estudante do Abel. Porém, o ajuda a reger seu dia-a-dia, nos diferentes círculos sociais que frequenta.
Descendente de italianos, André é um dos diretores do tradicional Rio Cricket, clube de origem inglesa, do qual é sócio há 20 anos. Joga tênis, por exemplo, com Osmar Buzin, o patriarca criador da Noi, a pioneira cervejaria da cidade.
Apaixonado por Rock, frequenta desde cruzeiros temáticos do Kiss ao Quiosque Delirium, em Piratininga. Motociclista, só anda de Scooter pela cidade para se livrar dos engarrafamentos, mas, claro, viajou por duas vezes pela icônica Rota 66 (EUA) a bordo da sua Harley-Davidson.
Praticante de canoa havaiana, diz que nada o estressa após as remadas com direito a um mergulho, antes das 8h – só talvez a notícia de uma derrota do seu time, o Fluminense. Ou pior: não ganhar medalhas em algum concurso cervejeiro.
– Quando não ganho medalha, sofro muita coisa. Fico pensando no que fiz de errado – conta.
Até o momento, a Masterpiece subiu no pódio 58 vezes. Esse número pode aumentar em função do resultado do Concurso Brasileiro da Cerveja, que está prestes a acontecer em Blumenau (SC).
Aos 55 anos, dois irmãos, divorciado e pai de dois filhos (a advogada Monica e Flavio, subprefeito da Zona Sul do Rio de Janeiro), André tem algumas metas. Uma delas é criar uma rede de 374 bares licenciados da Masterpiece – um número que ele tem certeza ser factível, já que na Argentina, uma cervejaria tem essa quantidade de bares.
A família de André é repleta de personagens marcantes, vários ligados à vida de Niterói. Renderiam dezenas de livros ou filmes. Falar sobre eles o leva a perder a noção do tempo. Foi assim nesta entrevista para o A Seguir, feita no Rio Cricket, entre goles de cerveja – não, não era Masterpiece, o bar do clube é terceirizado e não trabalha com cerveja artesanal.
Pois pegue sua bebida predileta, se acomode confortavelmente, porque lá vem história.
Até onde vamos voltar na história da sua família para conhecê-la?
São vários ramos da família. Por exemplo, por parte da minha avó paterna, teve um personagem muito interessante, em Niterói, que foi meu tataravô Vitório. Ele foi o fundador da Fiat Lux, fábrica de fósforos que ficava na divisa entre Niterói e são Gonçalo, onde hoje é o Sam’s Club e o Carrefour. A gente não dá bola para fósforos hoje, mas era um objeto de completa e total importância há 100 anos.
Seu tataravô era brasileiro?
Ele era italiano, de Gênova. Ele veio para o Brasil, no final do século 19, direto para viver em Niterói. Naquela época, Niterói tinha uma colônia italiana e inglesa fortes, então, ele decidiu vir para cá. Quando chegou, queria ter uma casa e empreender. Enquanto a casa estava sendo construída, ele morou por dois anos no palacete que hoje é o Solar do Jambeiro. O solar era a residência do diplomata dinamarquês Georg Christian Bartholdyde, mas ele também costumava alugar. Tem móveis que vieram de Gênova que estiveram lá no palacete e depois foram para o casarão na nossa família, na rua Presidente Pedreira, no Ingá.
A Fiat Lux foi uma fábrica famosa.
A fábrica foi, durante um bom tempo, um marco na família. Quando meu tataravô faleceu, ficou na mão do genro dele, meu bisavô Pedro Ribeiro, que morreu prematuramente, com trinta e poucos anos. Com isso e por uma série de situações, a família perdeu o controle acionário da Fiat Lux para ingleses. Isso foi por volta da primeira Guerra Mundial. Depois, a família decidiu se desfazer de todas as ações e partir para outros empreendimentos.
A política também é um ramo forte na família, não?
Por parte do meu avô paterno teve um personagem muito emblemático que foi Gaudino do Valle, meu bisavô. Ele foi o primeiro prefeito de Nova Friburgo (RJ). Também foi deputado federal, mas o mais curioso, é que ele foi o criador do Dia da Criança, que comemoramos até hoje.
Sobre ele, tem uma história interessante. Friburgo tinha uma situação estranha relacionada com iluminação pública. Já existia eletricidade, mas a Câmara Municipal não queria dar licença para a criação de uma usina. Existia uma resistência por conta de uma espécie de lobby dos acendedores de lampião. Um dia, meu avô fez um comício em frente à sua casa (que continua lá e sendo da família) e saiu junto com uma multidão quebrando os lampiões da cidade. No dia seguinte, a Câmara aprovou uma licença para a construção da usina de eletrificação da cidade, que está lá até hoje, bem na entradinha de Friburgo. Meu bisavô também foi médico. Ele era da UDN. Tem uma estátua dele na cidade, na praça Getúlio Vargas.
É uma família com figuras fortes e icônicas. Isso força que os membros estabeleçam metas altas?
Não, cria orgulho. Por exemplo. O lado da minha mãe, os Bittencourt, é uma das maiores famílias do Estado. Temos um clube em Macuco (RJ) que é uma espécie de sede. Era a casa dos meus tataravós e onde a família se reúne. Já teve festa com 5 mil primos. Ultimamente, não tem tido tanta gente, mas, frequentemente, 500 pessoas estão sempre por lá.
Comte Bittencourt, uma liderança política de Niterói, e o Centro Educacional Alzira Bittencourt fazem parte da família?
Por incrível que pareça, não. Mas existia uma cadeia de colégios Bittencourt, no interior do estado do Rio, em Campos, Macuco, Cantagalo e Friburgo, que eram de primos, todos educadores. Em Itaperuna, por exemplo, meu bisavô teve 8 irmãos e mais um adotivo. Este adotivo foi o professor João Brasil, dono do colégio Brasil, no Fonseca.
Meu avô Jaime, foi educador, professor, diretor do liceu Nilo Peçanha e deputado estadual pelo PTB, partido oposto do meu bisavô. Naquela época, você fazia oposição sem que isso fosse levado para o lado pessoal.
Sobre isso, tem um exemplo interessante. Sou amigo de infância do Alexandre Torres, herdeiro de O Fluminense. Éramos vizinhos, em Cabo Frio. Os nossos avós, Jaime Bittencourt e Alberto Torres, eram adversários políticos. Meu avô era do PTB e o Alberto, salvo engano, era da UDN. Eram adversários ferozes, mas as filhas eram melhores amigas: minha mãe e a mãe do Alexandre. Naquela época, fazia-se política em grande estilo. A discordância era verbal e não física como é hoje.
A política tinha tudo para ser seu caminho natural?
É possível. A minha mãe (Elzita Nely Bittencourt do Valle) teve um jornal, chamado “Persona“, um semanário famoso, que projetou muito o nome dela como colunista social. Os políticos morriam de medo dela, mas ela era do bem. Ela era querida e temida. Chegou a ser convidada para ser vice-prefeita do Waldenir Bragança, mas ela não aceitou. Porque ele era do PDS e ela se colocava como oposição, embora ela gostasse do Waldenir. Lembro como minha mãe era querida por toda a sociedade. Ela faleceu em maio do ano passado.
Qual sua principal lembrança dela?
Mamãe sempre foi uma educadora. Foi professora e vice-diretora do Liceu Nilo Peçanha. Era o braço direito da polêmica, famosa e querida Marivone do Amaral, que foi durante muitos anos diretora do Liceu. Ela valorizava a cultura acima de tudo.
Por que a política ficou para trás?
O fato de eu ter passado para Engenharia na UFRJ, que era uma faculdade muito difícil. Fui para a Engenharia porque sempre gostei de máquinas, de tecnologia. Sempre fui curioso para saber com as coisas funcionavam. Talvez tenha vindo daí. Durante dois anos, fiz duas faculdades: Engenharia no Fundão, pela manhã, e Economia na UFF, à noite. Até que começou a etapa profissional, comecei a estagiar e ficou impossível. Me arrependo até hoje de não ter terminado Economia. Era só ter me esforçado mais um pouquinho que dava para conciliar.
Sua mãe foi uma figura forte e seu pai (Ronaldo Valle)?
É um cara maravilhoso. Sempre nos inspirou. Ele está com 82 anos. Ele é advogado, fiscal de rendas. Sempre gostou de máquinas. Tem uma coleção enorme de relógio de paredes que ele mesmo conserta. Quando eu tinha 8 anos, ele me deu uma moto Graziela. Meus primos ficaram malucos. A gente ficava andando lá em casa, em Friburgo. Fazia parte da bagagem levar a moto nas férias e feriados.
Você daria uma moto para seu filho com 8 anos?
Hoje não. A não ser se fosse para andar em um ambiente controlado como era comigo em Cabo Frio, onde a gente também tinha casa, e era tudo de terra, não passava carro. Era uma vida bem mais tranquila do que a gente tem hoje. E, em Friburgo, andava em casa, mesmo. Não que a gente não caísse ou batesse um no outro. Mas estava em casa.
Agora quem tem coleção é você, não é?
Eu tenho uma coleçãozinha. Dessa motinha que meu pai me deu, tenho três. E mais outras 3 diferentes. Meu pai também tem uma moto e ele ainda anda. Nós fizemos a Rota 66 por duas vezes. E fazer a Rota 66, para quem gosta de moto, é o equivalente a andar o caminho de Compostela para um peregrino.
Você não seguiu o DNA da política da família, mas seguiu o de educador.
Verdade. Sou professor e coordenador da Fundação Getúlio Vargas há 27 anos. Lancei o primeiro curso de tecnologia e o MBA de Gerenciamento de Projetos. Esse curso me deu uma projeção nacional. Já dei aula para mais de 30 mil alunos. Mas também tive uma empresa de tecnologia, a AC Tec. Meu maior cliente era a Embratel. Começou no início da internet comercial e foi legal porque ganhamos alguns prêmios.
Você tem tara por prêmios.
Não é tara, é buscar a excelência e o reconhecimento.
Você sente necessidade desse reconhecimento “de fora” para balizar sua capacidade. Isso é meta sua?
Sim, é meta, é projeto. Na FGV, uma das disciplinas que dou aula é de qualidade. Tem o conceito de Benchmarking: você se espelha no melhor e, se possível, tenta ultrapassá-lo.
Você começou a praticar canoa havaiana para escapar da pandemia?
Não. Eu moro na Boa Viagem, via o pessoal e fiquei pensando que deveria ser maneiro. Uma amiga chamou para fazer uma aula experimental, fui e gostei. É uma das atividades mais prazerosas que atualmente faço. É cedo, você se condiciona a acordar cedo, o que é muito bom, porque faz render mais o dia. Você faz um exercício físico vigoroso, o que não é fácil. Você aprende a trabalhar em equipe – todo mundo tem que remar juntos se não dá ruim. É um esporte que estimula a coletividade, a liderança. Cada um tem o seu papel. E às 8h, a gente dá um mergulho em qualquer praia que seja que a gente pare. Durante aquele dia, nada vai te estressar.
Como concilia o universo da cerveja com o acordar muito cedo?
A maioria das pessoas acha que eu bebo todo dia. E não é verdade. É uma tentação ter cerveja boa, fresca na sua frente ilimitadamente. Mas se não tomar cuidado, você vai morrer. Então, bebo pouco. Estou sempre no bar da fábrica e visitando nossos licenciados, mas respeitando muito meus limites. O segredo é beber com controle.
O que o levou para esse ramo?
Eu tinha a empresa de tecnologia e veio a crise de 2001. Vendi a empresa e fiquei só na área acadêmica. Eu tinha jurado que nunca mais iria empreender. Em 2017, fui para Las Vegas (EUA) para participar de uma feira de tecnologia e inovação que é gigante. Participei de uma demonstração no estande da Intel de realidade virtual e fiquei chocado. Aquilo me deu um estalo: o que eu faço hoje vai acabar. Pensei: Por que o cara vai ser aluno de uma pós na FGV se ele pode colocar um capacete e ser aluno de Harvard?
Igualzinho os acendedores de lampiões.
Exato. O que a pandemia fez foi acelerar isso tudo. Hoje, 90% das aulas que eu dou não são mais presenciais. É tudo via zoom. Achava que esse processo ia demorar uns dez anos, não imaginava que seria tão rápido. Então, percebi que tinha que me preparar para a minha nova carreira. Eu sempre gostei muito de cerveja, de visitar as fábricas. Se o que faço hoje não vai existir em dez anos, em dez mil anos as pessoas vão continuar bebendo cerveja, isso não vai acabar. Então, vamos para lá.
Fez pesquisa para embasar a decisão de ser dono de cervejaria?
Eu já vinha acompanhando o mercado craft norte-americano. Em 1997, fui a trabalho na cidade de Portland (EUA). No final do primeiro dia, saímos para tomar uma cerveja. Naquela época, o grande tesão do brasileiro quando ia para os Estados Unidos era tomar Budweiser – a marca tinha 51% do mercado americano; hoje tem menos de 10%. Cheguei no bar e pedi uma Budweiser, claro. O cara me olhou com uma cara feia – é como alguém chegar no bar da Masterpiece e pedir uma Brahma. O cara respondeu que não tinha, que só servia a cerveja que eles fabricavam. Então, tá. Perguntei o que ele tinha e ele mostrou um monte de torneiras. Eu pensei, ‘caramba, existem tantas cervejas assim?’ Falei: Então me dá a que for mais parecida com a Budweiser.
Ah se fizerem isso na Masterpiece!
Fazem o tempo todo e eu entendo. A gente tem que criar a cultura. Voltando para Portland, o rapaz me serviu uma cerveja e experimentei outras. No dia seguinte, em outro bar, a mesma história. No terceiro dia, mesma coisa. Descobri que aquela cidade tinha 60 cervejarias. Uma cena craft fortíssima. A partir daí, fui acompanhando o crescimento desse segmento. Minha família tem um apartamento nos EUA, então a gente vai com frequência pra lá. Acompanhei os caras passarem de 1% para 26% do mercado. Em 2010, fiz um curso em Harvard. Então tinha que conhecer a Samuel Adams (Boston). Fiquei maravilhado, o cara foi um puta empreendedor. (A fachada da Masterpiece é inspirada na fachada da Samuel Adams). Eram pontos que estavam soltos e eu juntei esses pontos a partir da experiência naquela feira de tecnologia.
Como foi seu começo como cervejeiro?
Fiz um curso de cervejeiro artesanal na Bohemia de Petrópolis (RJ). Comecei a fazer cerveja em casa, no meu moto clube. E a galera começou a gostar muito da cerveja. No ano seguinte, decidi fazer o projeto da Masterpiece. Tem um forte viés acadêmico no projeto da cervejaria. Na época, eu estava orientando uma tese de doutorado sobre sustentabilidade em gerenciamento de projetos. Um artigo me chamou a atenção, um estudo sobre as 70 cervejarias mais sustentáveis do mundo. Eu pensei: se eu fizer tudo o que está escrito aí, serei a cervejaria mais sustentável do mundo. E coloquei aquilo como requisitos do projeto: energia solar, equipamentos elétricos, iluminação natural, reaproveitamento do bagaço – isso na parte ambiental. Na parte social, ter equipe inclusiva – o meio é predominantemente masculino e, na Masterpiece, metade da equipe é feminina. A gente se orgulha muito disso. Na parte econômica, é não sonegar, fazer tudo certinho. Virou um projeto acadêmico que orgulha muito a gente.
Fui tudo bem planejado, então?
Quando fiz o projeto da Masterpiece, minha primeira providência foi me filiar à Brewers Association (BA). Porque eles têm uma mega biblioteca virtual. Nosso plano de negócios foi baseado no guia de planos de negócio da BA. Eu sabia o que estava fazendo. Eu tinha dados científicos e, principalmente, sabia das tendências. Eu sabia que não estava reinventando a roda. Fazer isso, inclusive, seria maluquice. Tudo o que acontece nos Estados Unidos, acontece no Brasil um tempo depois. Isso é fato.
Você chegou a anunciar que teria 30 bares da marca, mas não deu certo. Você teve que dar uma recuada?
Não é que tenha dado errado. Aquilo foi uma ideia. Quando você faz uma operação, tem ideias que podem dar super certo e outras que não. A ideia original continua válida, pretendo fazer. Na verdade, tenho um número mágico na cabeça: abrir 374 bares porque é o número de bares que a cervejaria Antares tem na Argentina. Então, quero ter igual. Já que tem que ter um número…
Porque a ideia inicial dos 30 bares não deu certo?
Depois do anúncio desse plano, teve dois meio lockdowns. Isso é mortal para o nosso negócio. Os empresários ficaram avessos ao risco.
A própria cervejaria foi lançada, literalmente, na véspera do lockdown.
A festa de inauguração ia ter 6 bandas tocando ao longo da noite. Estava programada para 21 de março de 2020. Uma semana antes, estávamos em Blumenau (SC), no festival da cerveja. Até hoje, a Masterpiece não teve uma inauguração oficial desse tipo.
E lá só rola rock. Dizem que você não permite outro estilo musical.
Adoro rock, gosto muito de música e sou colecionador de shows. O mais incrível que já vi na vida foi um show do Kiss, na Flórida (EUA), há uns dez anos. Eu estava com meu filho. Também fiz o cruzeiro do Kiss, em 2019. Foram cinco dias de rock e cerveja, de Miami à Jamaica. Por aqui tenho planos de fazer a CEO Night.
O que é isso?
Sou aprendiz de baixista e a ideia é montar uma banda com amigos e tocar às segundas-feiras no bar da fábrica da Masterpiece. Vou colocar o chope a R$ 1 só para ter público. A gente vai comprar o público (risos). No final, não vamos agradecer, mas pedir desculpas por estar tocando. É inspirado no (ator) Woody Allen que tocava clarineta, em um bar de Nova York. Nós vamos fazer de sacanagem. Vai ser uma grande brincadeira entre amigos. Era para ter saído em 2022, mas ficou para este ano.
Quais os planos para 2023?
Consolidar a união entre as cervejarias Masterpiece e Máfia. A integração é contínua e cada vez maior. O bar da Máfia é sucesso. Passamos de 6 torneiras para 22. O acesso à biblioteca do BA mostrou que tem dois tipos de consumidor: o que sempre toma a mesma cerveja e o que gosta de novidade. Manter a chama da inovação é fundamental. Temos 92 cervejas registradas no Mapa (Ministério da Agricultura e Pecuária), todas já lançadas no bar da fábrica. Queremos manter essa chama da novidade que traz o cliente.
Você não esconde que ama ganhar medalhas em concurso cervejeiro. Quando não ganha, você sofre muito?
Muita coisa. Fico pensando o que fiz de errado.
E a bronca come, na equipe?
Não. Eu tento analisar através de dados o que aconteceu. Existem concursos que não vale a pena participar. O da BA não participo mais.
Por que?
Gosto de estatística. Mandamos 10 amostras de cervejas, dentre elas, medalhistas em Bruxelas, um dos concursos mais importantes do mundo. Essa mesma cerveja, no concurso da BA, passou batida, não ganhou nada. E você percebe que 99,5% de todas as medalhas foram para cervejarias americanas. Tem algo que não entendo, mas não vou participar mais. Uma cerveja que chega nos Estados Unidos, vinda do Brasil, chega lá, talvez, de forma não tão apropriada por conta de transporte, por exemplo. Os cervejeiros americanos estão do lado, entregam as amostras de carro. Tem que ter estratégia porque é caro participar de concursos.
Quanto custa uma medalha?
Depende. A inscrição de uma amostra custa US$ 250, em média. Fora chegar lá. Você gasta perto de US$ 2 mil para mandar 4 amostrar para um concurso. Se ganha 1 medalha, essa medalha vai custar US$ 2 mil. Se ganha 4, cada medalha vai sair por menos. O segredo é entender que existe uma ciência por trás da participação. Tem que estudar, jogar com estatística. Por exemplo, nossa Tripel tem 3 ou 4 medalhas. Vou mandar para Bruxelas onde fazem esse tipo de cerveja há mil anos? Não faz sentido. Vou mandar Bitter para concurso na Inglaterra, se eles fazem isso há mil anos e eu há dois? É maluquice. Agora tem gente que faz algo parecido e ganha. Admiro muito os caras da Bamberg (Votorantim, SP) que ganham medalha na Alemanha, com cerveja de estilo alemão. Essa marca, aliás, só produz cerveja de estilo alemão. O cara (Alexandre Bazzo, cervejeiro e sócio da marca) é genial. Tiro o chapéu, admiro. O cara é foda para fazer isso. O legal é perceber o quanto a cerveja artesanal no Brasil e em Niterói deu um salto. Temos excelentes cervejarias em Niterói. É um momento ímpar para a cidade.
Você bebe os concorrentes?
Lógico. Sou amigo dos concorrentes. Jogo tênis com o Osmar Buzin (Noi), sou amigo das meninas (filhas e sobrinha que administram a Noi). Gosto muito do Guilherme (Rebelo) da BrewLab, gosto muito do Sandrão (Sandro Gomes, Dead Dog). Adoro o casal da Matisse (Maria Antônia e Mario Jorge), gosto do Danilo (Lima) da Bitta Bier. Não só bebo como gosto de beber na casa deles, que eu frequento.
Amigo, vizinho, concorrente, dá pra conciliar tudo?
Dá. O pessoal acha que a gente se odeia, mas a gente se adora. O que mais a gente faz é visitar uns aos outros, beber junto, trocar ideias. A gente se ajuda muito. Por exemplo. Morei no mesmo prédio do pai da Tatiana (Ferreira) da Malteca por 15 anos. É Niterói! No Rio, no Narreal, um dos sócios, o João Moraes, é meu primo. Tá todo mundo no mesmo barco. E vou repetir uma coisa que falei para você em uma entrevista, quando ainda estava fazendo a obra da Masterpiece: a gente não é concorrente, os concorrentes são outros, é a cerveja mainstream. Quando gostam da minha cerveja e percebem a diferença para coisas que têm por aí, a pessoa, automaticamente, vira apreciador da cerveja artesanal e passa a beber várias outras marcas.
Niterói está muito diferente ou ainda é a sua Niterói?
Está muito diferente porque a cidade se adensou. O trânsito é muito ruim, só não sofro mais porque só ando de moto. Mas tem uma coisa que não muda: as pessoas se conhecem. É aquela brincadeira que diz que Niterói só tem 3 pessoas, na cidade: eu, você e alguém que te conhece.
Quando você não está no Clube que você é diretor ou na cervejaria que você é dono, onde você está, por Niterói?
Talvez eu esteja remando ou andando de moto. Eu adoro a praia do Morcego, em Jurujuba, que vai virar parque – golaço da prefeitura. Eu adoro o Quiosque Delirium, em Piratininga. Fico ali igual pinto no lixo porque tem sempre show de rock. Um lugar que eu amo, me tira do sério, é a Guarderya Beach Club, em Jurujuba. Lá sempre tem uma banda legal. Vou bastante também no Quiosque 883 na litorânea, o primeiro, mais perto da Boa Viagem que é ponto de motociclistas. Todos são lugares de visual. Somos privilegiados em Niterói.
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