COMPARTILHE
Não é de hoje que o elevado índice de acidentes envolvendo motos é uma ameaça à vida de motociclistas. Levantamento feito pelo Corpo de Bombeiros confirma que, durante a pandemia, o número de acidentes com motos representa mais da metade das ocorrências. Dos 857 chamados deste ano, em Niterói, 574 envolveram motos. Motoboy há cinco anos, Davi Aguiar conta que já se envolveu em diversos acidentes na moto, um deles ocorreu nesta semana, e resultou num tornozelo torcido. Davi trabalhava para aplicativos de entrega como o Uber Eats e o Rappi, mas atualmente trabalha como mototaxista.
Tive um acidente essa semana, aliás. Isso acontece com muita frequência quando se trata de moto. Não estamos protegidos. Torci meu tornozelo andando de moto, após ter sido fechado por um carro em alta velocidade. Teve uma vez que cai no valão da Alameda. O condutor estava “doidão”, avançou o sinal e perdeu o controle, e eu cai no valão. Arrebentei o tendão e o meu tornozelo. Tive que ficar quase um ano em casa para me recuperar – conta.
Fatalidades assim, envolvendo motos, aconteceram em grande quantidade durante a pandemia, não só em Niterói, como em todo o estado do Rio. A ideia de Davi de migrar para o mototaxi era uma aposta na redução do número de viagens de moto. Quando trabalhava para o Uber Eats e Rappi, fazia entre 20 a 25 corridas por dia e conseguia uma boa renda extra, semanalmente. No entanto, a exposição aos acidentes não compensava o retorno financeiro. Davi diz que, mesmo após abandonar o delivery de aplicativo, não se sente seguro, pois cada dia é uma nova preocupação.
A associação dedicada exclusivamente às demandas de motoboys
Diante dessa explosão de casos de acidente envolvendo motos devido à alta circulação de motociclistas na rua, foi criada a associação Limobras (Liga dos motoboys e mototaxis do Brasil), entidade totalmente voltada a atender as principais queixas de motociclistas e lutar por melhores condições de trabalho. A sede da liga, criada em maio deste ano, é em Niterói. O advogado da Limobras, Daniel Vargas, também presidente da Comissão do Direito do Trabalho da OAB Niterói, falou ao A Seguir: Niterói sobre a urgência das demandas dos entregadores devido à precariedade das condições do trabalho, acentuadas pela pandemia da Covid-19.
– Devido à pandemia, muitos trabalhadores passaram a usar mais os serviços de entrega por motos. E, neste sentido, com a redução na oferta de empregos, muitos desempregados resolveram se arriscar em cima de duas rodas na tentativa de levar o seu sustento. Com esse aumento exponencial e maior exposição nas ruas, o aumento de acidentes é inevitável, principalmente por ter muitos trabalhadores que usavam seus veículos apenas para o lazer e passaram a usar como meio de renda – explicou o presidente da Comissão do Direito do Trabalho da OAB Niterói, Daniel Vargas.
Segundo Daniel, as condições de trabalho dos motoboys, que atuam com aplicativos, estão longe do ideal. A precarização do trabalho é uma das queixas que a Comissão recebe com frequência. Ele diz que é recorrente a falta de suporte por parte das empresas em caso de acidente e a não contratação por carteira assinada. Outro ponto que ele destaca é o pagamento de salário abaixo do piso da categoria.
– Recebemos continuamente denúncias de precarização da mão de obra. Desde a sua criação, foram 40 denúncias. Muitos empresários não contratam da forma correta na tentativa de reduzir custos, no entanto, muitos deles acabam perdendo na justiça – afirmou.
A associação Limobras surge com o objetivo de ampliar o debate com os órgãos públicos e acionar a justiça no caso de desrespeito às leis, além de atuar como programa de benefícios aos associados. O presidente da Comissão do Direito do Trabalho da OAB Niterói explica que um dos propósitos é combater o preconceito existente na sociedade.
– É necessário compreender que esses profissionais são muito importantes e foram fundamentais no período da pandemia – destacou.
O que diz a Comissão de Transporte da OAB
A presidente da Comissão de Transporte da OAB Niterói, Simone Carvalho, aponta outros fatores de risco para quem está em atividade nas ruas da cidade. Para ela, o excesso de velocidade e o excesso de veículos nas vias colaboram para o crescimento do índice de acidentes envolvendo moto. Com o quadro de pandemia, a situação só se agravou.
– Temos mais motoboys na rua, entregadores em geral de bike e outros meios de locomoção para atender à demanda atual. Logo, é impossível que o excesso não tenha consequências, e no caso elas aparecem no aumentos dos acidentes de trânsito graves ou gravíssimos – ressaltou.
Contudo, mesmo considerando uma situação em que condutores estejam devidamente habilitados com os equipamentos de segurança, existe, ainda, a questão da infraestrutura viária, a sinalização correta e material humano para atendimento aos condutores capacitados.
– Não adianta o condutor sozinho se equipar e cumprir as normas no trânsito se a infraestrutura viária não atende ao quesito segurança. Em suma, trânsito é responsabilidade e dever de todos. Todos precisam colaborar – pontuou.
Simone explica que a Comissão de Transporte adota um caráter educativo, com foco na educação no trânsito, mas sem esvaziar o caráter punitivo, uma vez que busca cooperar com a Administração Pública para qualquer esclarecimento que envolva acidente de trânsito, em busca dos reais infratores. No entanto, as denúncias recebidas pela Comissão costumam ser mais relacionadas aos transportes ilegais, aos embarques e desembarques irregulares, à discriminação dos idosos e portadores de necessidades especiais nos transportes públicos. Enquanto a questão da velocidade excessiva pelos motociclistas parece que é “tolerada pela sociedade”, visto que a mesma busca os serviços de entrega mais rápido e esquece da segurança no trânsito.
– As motos estão dominando as atividades de entrega aos lares das pessoas. O problema não é a banalização, é a tolerância, pois quem mais recorre hoje a esses serviços é a classe que pode ficar em casa pedindo delivery. Essa parcela da sociedade quer que a comida ou pedido chegue rápido com ou sem o motoboy vivo. É uma triste realidade. E os acidentes de trânsito só aumentam. Não dá para continuar colocando mais carros nas ruas. Precisamos investir no transporte público e na mobilidade alternativa – concluiu.
COMPARTILHE