As ruas da cidade estão vazias. Flamengo e Corinthians jogam pelas finais da Copa do Brasil. No pátio do Reserva Cultural, no Gragoatá, o diretor de cinema francês Robert Guédiguian conversa com um grupo de pessoas. Ele está no Brasil para o lançamento do filme Mali Twist, no Festival do Rio. Niterói está no circuito do festival. O cinema sofreu muito com a pandemia. O medo do contágio nas salas fechadas afastou o público. O isolamento também produziu outro impacto com o aumento da oferta e consumo de filmes por streaming, através de serviços como Netflix. Depois, ainda foi impactado pela crise econômica. O diretor do Reserva, Jean-Thomas Bernardini, também distribuidor de filmes de arte, sob o selo da Imovision, entra na sala para apresentar Robert, os dois são de Marselha. Robert tem uma trajetória reconhecida, com mais de dez filmes e recorrentes indicações em festivais como o de Cannes. Diretor de filmes como Dias de Glória e As neves do Kilimanjaro. Agora apresenta Mali Twist, uma história de paixão e revolução, que se passa em Mali, nos anos 60, logo após a independência do país africano. O encontro do diretor com o público, em Niterói, no calendário do Festival do Rio, depois de tão longo percurso, soa como uma declaração de amor ao cinema.
Vamos ao filme, como está na sinopse, para não correr risco de entregar o roteiro: “1962. Mali experimenta sua independência recém-adquirida e os jovens de Bamako dançam noites inteiras ao som da França e da América. Samba, filho de um rico comerciante, vive de corpo e alma o ideal revolucionário: percorre o país para explicar aos camponeses as virtudes do socialismo. É lá, no país Bambara, que surge Lara, uma jovem casada à força, cuja beleza e determinação dominam o Samba. Samba e Lara sabem que seu amor está ameaçado. Mas eles esperam que, para eles como para o Mali, o céu clareie…”
Robert Guédiguian tem uma obra pautada pelas questões políticas e sociais. No final da sessão fala aos convidados e diz que o filme reflete preocupações com o mundo atual, que exibe tensões e retrocessos. Recorre a Shakespeare para falar do colonialismo e da violência das formas de dominação. “A desgraça dos tempos que os tolos guiam os ignorantes”.
Mas Mali Twist é uma história de amor, nos primeiros momentos da independência, que anunciam a possibilidade de todos os sonhos, da revolução a uma grande paixão. Robert Guédiguian aborda o socialismo como uma única possibilidade para um futuro melhor, mas sem concessões, critico diante dos diferentes caminhos seguidos em diversas partes do mundo.
O filme se passa em Bamako, a capital, à beira do Niger. O diretor, que também é autor do roteiro do filme, constrói a narrativa a partir de fotografias de época que encontrou e nas quais baseou sua pesquisa. Em meio a todas as transformações pelas quais o país passava, os jovens se encontravam à noite em discotecas, ao som do rock e do Twist, vestidos no mais puro estilo americano. Mali Twist. O território de Samba e Lara.
No Reserva, Robert Guédiguian, conheceu a obra de Niemeyer para homenagear o cinema, em Niterói. Estava no lugar certo e esticou a conversa até depois da meia noite. O jogo do Flamengo já havia terminado, em zero a zero. É importante reconhecer a longa jornada para a produção de um filme, a entrega, os desafios; perceber a enorme cadeia de produção envolvida no projeto, que na França é tratada como uma questão de Estado; a coragem de quem abre uma sala para exibir a realidade mais dilacerante e os sonhos que não sonhamos sonhar; a importância de ter o mundo diante de nós, em Niterói. Impossível não ser tocado pelo cinema.