A Rainha Elizabeth talvez tenha sido a personalidade mais onipresente do último século, testemunha e muitas vezes protagonista de alguns momentos mais relevantes da história da humanidade. Viveu a Guerra Mundial, o fascismo, o nazismo, mandou a Real Marinha Inglesa bem perto daqui para atacar a Argentina, na Guerra das Malvinas, mas não, não esteve em Niterói. Embora alguns hábitos da cidade estejam fortemente associados ao Reino Unido, como a existência de um inusitado clube de Cricket ou a venda de cerveja quente e pastéis frios no Sailing, é preciso separar o que é fato do que é a fantasia que se construiu em torno da longa existência da Rainha da Inglaterra. O mais perto que a Rainha Elizabeth chegou de Niterói foi na entrada da Ponte, em 1968.
Vamos aos fatos. Não é verdade que a Rainha prefira o italiano do Puro Suco ao do Ponto Jovem, mas acha ridícula a ideia de chamar o salgado de joelho. Também não fuma Gudang, por recomendação médica. Seu Antônio não tem lembrança de que tenha passado por lá, “a não ser que tenha ficado no bar da fila, isso não dá para saber.” Seu Mário também desmente a passagem de Sua Alteza pelo Caneco. Os portugueses, na verdade, nunca perdoaram os ingleses desde que a família real deixou toda a safra do vinho do Porto e as calças para pagar a proteção e fugir das guerras napoleônicas para o Brasil, em 1808. Tampouco comeu churrasco ou feijoada por aqui, não tinha cury. É fake. E não subiu o Parque da Cidade, porque preferia o por do sol de Itaipu.
As ligações da Rainha com Niterói são menores do que acreditam os moradores da cidade, acostumados a encontrar nos principais assuntos mundiais alguma relação com a cidade. A Prefeitura revisou 285 convênios com cidades de todo o mundo e não encontrou nenhum programa, prêmio ou carta de cooperação com o Palácio de Buckingham. Relações comerciais houve algumas, no final dos 1.800, começo dos 1.900. Venderam ferrovias e eletricidade. Depois foram os Beatles e os Rolling Stones. E bonecas da Princesa Diana.
A Rainha Elizabeth esteve, sim, na porta de entrada de Niterói. Participou da cerimônia de lançamento da pedra inaugural da obra da Ponte, hoje guardada no museu da Ecoponte. E não se pode dizer que não tenha sido um evento marcante. Desde aquele primeiro momento, advertiu aos conselheiros reais: vai dar merda, vai engarrafar, vai ser um inferno na vida dos moradores. Ela preferia a ferrovia, mas, se falou muito na época, era uma visão interessada, com certeza. Pessoas que privaram da intimidade da rainha em Londres, relatam que, ao longo da vida, ela frequentemente perguntava: como está, engarrafou? Uma moradora de Niterói que é prima de uma camareira do Palácio, de São Gonçalo, disse que Elizabeth sempre lia os jornais de manhã e queria saber do trânsito na cidade. E repetia: “eu avisei”.
Acredita-se que a única razão para nunca ter vindo a Niterói em todo o seu longo reinado tenha sido o medo dos congestionamentos. Ou das multas. Mas isto é especulação.
Moradores de Niterói lamentam a morte prematura da rainha, sem ter a chance de ver a solução para o problema, com a promessa de todos os candidatos de construção de um metrô para Niterói e São Gonçalo por baixo da Baía de Guanabara. Não se sabe se chegou a ter acesso em Londres à propaganda eleitoral do Rio. Talvez tenha apenas se cansado de esperar.