O governador Claudio Castro não leva nem dois anos no Palácio Guanabara e já carrega entre as marcas da sua gestão duas das três maiores chacinas registradas no estado. A incursão policial da terça-feira (24) na Vila Cruzeiro ainda conta as vítimas e já soma 23 mortes. A maior de todas, que marcou sua chegada ao governo, foi a do Jacarezinho, no ano passado, com 28 mortos. A outra aconteceu em 93, também na Região Metropolitana, na Vila Operária, em Caxias, com 23 óbitos. Castro materializa, assim, em ano eleitoral, a política do “tiro na cabecinha”, idealizada por seu mentor político, Wilson Witzel.
O Presidente Jair Bolsonaro elogiou, prontamente, a atuação da PM no Rio, chamos os policiais de “guerreiros”, indiferente aos relatos de moradores de mortes com sinais de execução e da morte de uma costureira, em casa, atingida por uma bala perdida. Fala ao seu eleitorado mais radical, que compartilha o ideal de que “bandido bom é bandido morto”, associado aos esquadrões da morte dos anos 70. O governador está em campanha eleitoral e tenta se aproximar da agenda bolsonarista. Não deu saltos de alegria, como Witzel ao final de uma ação que acabou na morte do sequestrador de um ônibus na ponte Rio-Niterói, em 2019. Mas tem apoiado, de forma incondicional e sem questionamentos, nem mesmo protocolares, a intervenção da polícia nas comunidades.
Coube ao Secretário da Polícia Militar, Coronel Luiz Henrique Marinho Pires, passar o recibo da politização do tema, ao culpar o Supremo Tribunal Federal pela presença de facções criminosas no Rio com um argumento. O STF é outro alvo frequente dos ataques bolsonaristas. Em junho de 2020, o ministro do STF Edson Fachin restringiu as operações policiais nas comunidades no Rio de Janeiro a casos excepcionais enquanto durasse a pandemia da Covid-19, medida de proteção aos moradores, prevista pela ADPF das Favelas (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Apesar do histórico de mais de 30 anos do Comando Vermelho na cidade, o coronel atribuiu a presença de grupos criminosos à migração de outros estados. Disse: “Esse esconderijo deles nas nossas comunidades é fruto basicamente desta decisão do STF.”
Castro tem dado sinais de que quer fazer da segurança um dos principais alvos de sua campanha. Mesmo com a redução dos índices de violência, que ele mesmo propagandeia. Num cenário de falência do estado, que não consegue pagar suas dívidas, o governo rompeu acordos como o que mantinha com a Prefeitura de Niterói para o financiamento do policiamento de rua, o programa Niterói Presente. Assumiu os custos – e a bandeira de xerife.
O medo mostrou ser bom eleitor em 2018 – embora não se possa dizer que seja bom para o eleitor ou para o país. Aparece de forma recorrente nas eleições. Sempre para atacar o adversário. “Tenho medo”, dizia Regia Duarte na eleição de 2002, para atacar o PT, antes de ser tornada meme de si mesma numa atrapalhada adesão ao governo Bolsonaro. O medo dos comunistas, o medo do confisco da moeda, o medo do avanço dos costumes… Neste cenário, o medo da desordem e da violência é o medo original, a sombra de todos os medos. Aparentemente, o medo volta à cena.
(Na quinta-feira, 27, Niterói viveu um dia de medo, com o aparecimento nas redes sociais de postagens alertando para o risco de tiroteios entre grupos armados nos morros do Estado e do Palácio. As redes sociais foram tomadas por depoimentos de supostos “motoristas de táxi que passaram no Centro” e viram a mobilização, “um primo que é policial” e “moradores que teriam ouvidos disparos” e visto gente correndo. Este tipo de rumor é fácil de conter, quando se age com responsabilidade. Bastaria uma ligação para a Polícia Militar para se restaurar a tranquilidade na cidade. Não acontecia nada. Consultada, a assessoria de imprensa da Secretaria de Estado de Polícia Militar preferiu manter o clima. Informou que o 12ºBPM (Niterói) determinou “dar prosseguimento ao policiamento reforçado nas regiões mencionadas, salvaguardando os moradores”. A polícia alegou ter “uma indicação de disputas de facções criminosas pelo o controle do tráfico de drogas” nos morros do Palácio e Estado, desde a entrada de um homem baleado no Hospital Estadual Azevedo Lima e o aparecimento de um morto no morro do Estado. Esses fatos aconteceram no início do mês e, de acordo com a nota da Secretaria de Estado de Polícia Militar, determinaram o início do reforço do policiamento, “montando cerco na localidade, com emprego do Grupamento de Ações Táticas e de viatura blindada”. A emergência vai durar em Niterói)